segunda-feira, janeiro 22, 2018

85 minutos e 4 segundos


Oitenta e cinco minutos e quatro segundos. Foi esse o tempo de duração da nossa mais recente conversa ao telefone. Tive a curiosidade de vê-lo registrado no celular. Afinal, eram tantos os assuntos em pauta... O que mais me chamou a atenção foi a sua relação com elas, as palavras. Não imaginava encontrar eco em você, não com essa amplitude, embora soubesse que a leitura faz parte do nosso território comum, dentre tantos temas que nos aproximam. A palavra eco mexeu comigo. Gostei e descobri via Google que “um eco verdadeiro é uma única reflexão da fonte de som”.

Desliguei. Fui dormir. Era madrugada e estava cansada. Não consegui. Elas não saíam do meu pensamento. As minhas, as suas. Estavam com as mãos enlaçadas. Abraçaram-se em perfeita sintaxe, formaram orações subordinadas aos sentimentos, ao tempo. Nosso texto foi ficando coeso, rico em verbos no futuro do presente e alguns no pretérito, ainda imperfeito, mas indicativo...

Fazia frio. Cobri meu corpo com os termos de cada oração, tentando adormecer em paz. Antes, porém, precisava desdobrá-los, desvendar-lhes os sentidos, para me sentir totalmente aquecida. Foi quando descobri estar entre verbetes Houaissianos e neologismos vindos diretamente das Veredas dos seus Grandes Sertões. É, não há tradução possível. Rosa só tem sentido em nossa língua, assim como a saudade.

Então, perdida ao buscar coerência e me tornar inteligível – sei que não sou –, evitei a voz passiva que ainda soava em meus ouvidos. Procurei a ordem direta, cortei adjetivos e percebi o que me incomodava: advérbios de lugar. Continentes diferentes. Estávamos, fisicamente, bem distantes.

Vieram em meu socorro os advérbios de intensidade e modo. Vi que sentia muito a sua falta e de forma doída. Ah, as afinidades, os elos, os conectivos. Como fazem falta! Verdadeiros elãs da vida. Não houve emplastro ou bálsamo que pudesse colocar um ponto final nesse período, nesse inverno. Optei por esperar a chegada da primavera. Sei que quando entrar setembro as noites ficarão mais quentes.

Hora da revisão do que foi dito. Há boas elipses, mas ambiguidade e redundância também. Não vou cortá-las, pois sempre fizeram parte do nosso discurso. Ah, bem observado: não existem clichês entre nós e a semântica continua tudo de bom, com implícitos e explícitos à vontade, na fala de cada um, com todos os significantes e significados possíveis.

Qual o seria o gênero adequado para a escrita? Crônica ou e-mail? Ambos. Quanta metalinguagem!Quem sabe consigo fazer diferente ao transcrever a próxima ligação que houver entre nós.

quinta-feira, janeiro 18, 2018

ARTIGO: A LITERATURA COMO FATOR DE EQUILÍBRIO PARA O SER HUMANO

A LITERATURA COMO FATOR DE EQUILÍBRIO PARA O SER HUMANO

RESUMO

O presente trabalho demonstra, através de relatos e de narrativas ficcionais, a possibilidade da literatura influenciar positivamente e gerar equilíbrio ao ser humano, principalmente quando este se encontra em períodos de dificuldades, sejam eles gerados por uma calamidade, provocados por quaisquer eventos externos, pela sua própria história de vida ou por fases de conflitos existenciais.

Relatos como o de Marina Colasanti e os contidos no filme Escritores da Liberdade, baseado em fatos reais, assim como a ficção de Balzac e a costureirinha chinesa e Farenheit 451, confirmam o poder da literatura sobre o homem e deixam clara a sua influência benéfica. No dizer de Antônio Cândido, “talvez não haja mesmo equilíbro social sem literatura” e para Llosa o homem precisa de um outro mundo para viver.

Com supedâneo nas mencionadas obras e autores, o texto traz a lume o fato de que a literatura, sob todas as suas formas (mitos e lendas, contos, poemas, romances, teatro, diários íntimos, histórias em quadrinhos, livros ilustrados e ensaios), fornece um suporte notável para despertar a interioridade, colocar em movimento o pensamento, relançar a atividade de simbolização, de construção de sentido, incitando trocas inéditas, a fim de colocar o homem em estado de catarse, equilibrando a mente por meio da leitura.

INTRODUÇÃO


A ideia de que a leitura pode contribuir para o bem-estar é tão antiga quanto a crença de que pode ser perigosa ou nefasta.

Sabe-se que Primo Levi recitava Dante em Auschwitz aos seus amigos e, de maneira semelhante, Marc Soriano contou um dia como Pinóquio o ajudara, quando criança, a sobreviver à morte de seu pai e à anorexia que em seguida ameaçou sua vida. Ele teria devorado, mastigado, ingerido, regurgitado Pinóquio, no qual encontrou ao mesmo tempo o seu crime e a salutar revolta que lhe deu força par lutar contra o massacrante sentimento de culpa que a morte bastante real de seu pai ameaçava tornar irreversível e fatal, conforme relata Michéle Petit (p. 17, 2009).

Já Montesquieu escreveu: “O estudo foi para mim o remédio soberano contra os desgostos da vida, não tendo existido jamais uma dor que uma hora de leitura não afastasse de mim”.

A leitura tem, portanto, os seguintes objetivos para o leitor: introspecção para o crescimento emocional, afastar a sensação de isolamento, verificar falhas alheias semelhantes às suas; permitir ao leitor verificar que há mais de uma solução para os seus problemas, ao verbalizar e exteriorizar; auxiliar o leitor a verificar suas emoções em paralelo às emoções dos outros; aferir valores; proporcionar informações necessárias à solução, e, encorajar o leitor a encarar sua situação de forma realista a ponto de conduzi-lo à ação.

Assim, a partir de fatos reais e da ficção, este trabalho pretende ser um questionamento acerca de algumas das maneiras que permitem uma expansão das possibilidades, um resvalo dos caminhos pré-moldados, uma nova saída, um respiro.


A LITERATURA COMO FATOR DE EQUILÍBRIO PARA O SER HUMANO

"Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões do seu corpo.

O microscópio, o telescópio são extensões de sua visão; o telefone é a extensão de sua voz; em seguida, temos o arado e a espada, extensões de seu braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação".

Jorge Luis Borges

In Cinco visões pessoais

Remontando a Aristóteles - filósofo que analisou a liberação da emoção resultante da tragédia, a catarse (o ato de excitamento das emoções, de piedade e medo, proporcionando alívio prazeroso) - este trabalho tem por objetivo apresentar a literatura como fator de equilíbrio para o ser humano, como uma possível substituição do caos da vida pela ordem da narrativa. Para tanto, a partir de experiências vividas por mediadores de leitura, além de outros profissionais da área, discute tal assertiva, ou seja, a teoria e a prática de se colocar a literatura entre a adversidade e a abstração, proporcionando a sensação de constância, onde poderá ser encontrada a força necessária para lidar com a realidade, diante de situações providas de menor ou maior complexidade existencial.

É certo que as palavras são o instrumento essencial do tratamento do espírito. Convencem, emocionam, influenciam – e pode-se inferir aqui também o sentido da catarse aristotélica.

Generalizando o efeito catártico, é possível substituir o teatro pelos textos literários, visto que os mesmos provocam igualmente emoções e paixões. Cumpre lembrar que Aristóteles concebeu o espetáculo trágico como capaz de transformar o medo e a piedade em prazer estético e isto porque tais emoções são despertadas por uma representação artística, já tendo perdido, assim, sua força nociva (ARISTÓTELES, 2005). Partindo do pressuposto de que a experiência poética é catártica, vale lembrar que o filósofo tomou de empréstimo o vocábulo médico que indica purificação do corpo de elementos nocivos e utilizou-o no sentido de purificação psicológica e intelectual. É nessa perspectiva que se enfoca a leitura de textos literários como desempenhando uma função catártica, de acordo com a moderna concepção de catarse, em que o termo é utilizado com referência à função libertadora da arte.

Dessa forma, em situações de calamidade, em virtude de pós-guerra ou eventos da natureza causadores de catástrofes, como terremotos e tsunamis, é que o ser humano necessita de um mecanismo de escape. A impossibilidade real de desenvolver a leitura faz necessária, muitas vezes, a presença do mediador, pois esse poderá levar, com mais tranqüilidade diante dos fatos, um mundo imaginário para aqueles que nele precisem entrar e buscar forças, acalmar a mente e fazê-la viajar por terras e tempos distantes, onde encontrará a paz para enfrentar mais um recomeço.

A literatura se faz presente por meio das narrativas. Benjamin (1996. p. 221), em seu famoso ensaio O narrador – Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, tece as seguintes considerações:

O narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para alguns casos como os provérbios, mas para muitos casos, como o sábio. Pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia. O narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira. O narrador é o homem que poderia deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha da sua vida. Daí a atmosfera incomparável que circunda o narrador, em Leskov, como em Hauff, em Poe como em Estenvenson. O narrador é a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo.

O mencionado ensaio data de 1936 e nele o autor fala sobre o imenso valor da figura do narrador, aquele que ouve, recolhe e conta histórias, e afirma que pessoas com essas características estão em vias de desaparecimento. Hoje, podemos dizer que o narrador vem ressurgindo, depois de um período de obscuridade. Há no Brasil e no mundo um movimento de contadores de histórias cada vez mais forte. Existem cursos para leigos e educadores, formação de mediadores de leitura, psicólogos usando a literatura para tratar crianças e adultos, ou seja, a leitura ficcional atualmente tem um papel que foge ao âmbito tão-somente da educação, vai além. É fruição, forma de trazer paz à mente e também prazer, como preceitua Barthes (2002. p. 12).

Para Antônio Cândido1, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem literatura, e vista deste modo, a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que ele se refere parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.

Marina Colasanti (1984, p.17), em sua obra Fragata para terras distantes, diz que a viagem realizada através da literatura arranca-nos da categoria do real, introduzindo-nos na do imaginário, no mais que real, onde encontramos o equilíbrio e o bem-estar. Ao contar sobre sua infância na Itália, lembra-se que - em pleno nomadimo - uma normalidade estável foi criada por seus pais, para si e seu irmão. Essa normalidade foi a leitura, uma biblioteca. E quando olhava pela janela o símbolo do fascismo, comendo couve-flor os sete dias da semana, continuava lendo. Refugiada nas momtanhas e vendo a fumaça advinda da destruição de Milão pelos bombardeios, continuava lendo. Foi o que garantiu a sua serenidade naqueles tempos difíceis.

Acreditamos que mesmo no dia-a-dia, sem a presença de infortúnios, o homem - de maneira geral - precisa de um “outro mundo para viver”. Vejamos o que pensa o escritor Mario Vargas Llosa (2009) a esse respeito em seu ensaio É possível pensar o mundo sem o romance?2:

A literatura não diz nada aos seres humanos satisfeitos com seu destino, de todo contentes com o modo como vivem a vida. A literatura é alimento dos espíritos indóceis e propagadora da inconformidade, um refúgio para quem tem muito ou muito pouco na vida, onde é possível não ser infeliz, não se sentir incompleto, não ser frustrado nas próprias aspirações. Cavalgar junto ao esquálido Rocinante e a seu desregrado cavaleiro pelas terras da Mancha, percorrer os mares em busca da baleia branca com o capitão Ahab, tomar o arsênico com Emma Bovary ou transformar-se em inseto com Gregor Samsa é um modo astuto que inventamos para nos mitigar pelas ofensas e imposições desta vida injusta que nos obriga a sermos sempre os mesmos, enquanto gostaríamos de ser muitos, tantos quantos fossem necessários para satisfazer os desejos incandescentes de que somos possuídos.

Só momentaneamente é que o romance aplaca essa insatisfação vital, mas, nesse intervalo milagroso, nessa suspensão temporária da vida em que a ilusão literária nos imerge - que parece nos arrancar da cronologia e da história e nos converter em cidadãos de uma pátria sem tempo, imortal - somos outros. Mais intensos, mais ricos, mais complexos, mais felizes, mais lúcidos do que na rotina forçada da nossa vida real. Quando, fechado o livro, posta de parte a ficção, voltamos àquela e a comparamos com o território resplandecente que mal acabamos de deixar, espera-nos uma grande desilusão. Isto é, esta grande confirmação: que a vida sonhada do romance é melhor - mais bela e variada, mais compreensível e perfeita - do que a que vivemos quando estamos despertos, uma vida tolhida nos limites e na servidão a nossa condição.

No livro Balzac e a cotureirinha chinesa (Daí Sijie), dois adolescentes que vivem na época em que a China realiza numerosas mudanças em sua política, como também em seu estilo de vida social e cultural, são levados para um campo de reeducação pelo regime de Mao Tsé Tung, e – forçados - vão parar em uma aldeia perdida, próxima da fronteira com o Tibete, durante a década de 1960. Nesta região inóspita, próxima da Montanha da Fênix, os dois tentam sobreviver, trabalhando sem parar, tratados como animais e com pouca comida. Durante essa "reeducação", os jovens descobrem uma mala cheia de livros proibidos pela Revolução – quase todos os livros inimagináveis para aquele momento, Balzac, Dumas, Flaubert, Baudelaire, Rousseau, Dostoievski, Dickens - e descobrem o prazer de ler, de sonhar e pensar com coisas que até aquele momento nem sabiam que existiam, como por exemplo o amor.

O amor faz com que os adolescentes comecem a reeducar uma jovem camponesa, moradora de uma aldeia vizinha, que vive de fazer costuras. A moça ante às leituras de Balzac e outros clássicos europeus, consegue distinguir um novo mundo de possibilidades. Há uma história de amor entre os dois jovens e a costureirinha, e o amor maior pela literatura, já que o conhecimento e amadurecimento adquiridos por meio da leitura, em momentos de tantas dificuldades, fazem com que ela parta em busca de uma nova vida.

Trata-se, portanto, de um romance sobre a felicidade nascida das descobertas, da liberdade adquirida através dos livros e a fome insaciável pela leitura, numa época em que as universidades foram fechadas e os jovens intelectuais mandados ao campo para serem reeducados por camponeses pobres. O equilíbrio advindo dos grandes clássicos foi o que lhes deu força para a sobrevivência, naquela fase difícil.

O filme Os escritores da liberdade (do diretor Richard LaGravenesse) narra fatos verídicos ocorridos numa escola localizada em um bairro americano, dominado por gangues e frequentada por estudantes de origem negra, asiática e de outros países, sofredores de vários tipos de violência. São adolescentes vítimas de preconceito e extremamente agressivos. Porém, as vidas daquelas pessoas começa a mudar a partir do interesse de uma professora de inglês e literatura que se aproxima do mundo delas e nele insere livros como O diário de Anne Frank (dentre outros), que apresenta o holocausto, fazendo com que eles se vejam como os judeus na Alemanha nazista – discriminados - e possam refletir sobre suas próprias vidas, crescendo a partir das semelhanças históricas e querendo lutar, como Anne, apesar do final trágico da heroína.

Outra obra que trata do tema é Fahrenheit 4513, de Ray Bradbury, a qual fala sobre um tempo futuro no qual os bombeiros têm como função incendiar livros e Farenheit 451, título do livro, é a temperatura em que o papel queima. Nesse local criado pelo autor, os livros configuram uma ameaça ao sistema, numa sociedade onde eles são absolutamente proibidos, a fim de que uma espécie de praga não seja disseminada pelo conhecimento. Para coroar a alienação em que vive essa sociedade, anestesiada por informações triviais, as casas são dotadas de televisores que ocupam paredes inteiras dos cômodos, e exibem famílias com as quais se pode dialogar, como se estas fossem de fato reais.

Porém, o bombeiro e protagonista da história, atravessando séria crise ideológica, conhece sua nova vizinha que o instiga à leitura. Assim, ele passa a ler e esconder livros dentro da sua própria casa, até ser denunciado, quando, pensando de forma totalmente diferente de seus pares, foge e encontra uma comunidade na floresta, onde várias pessoas vivem e têm seus nomes substituídos pelos dos clássicos da literatura mundial, os quais são decorados e declamados constantemente, para que não se percam.

O ser humano, como criação contínua e em movimento constante, encotra suas forças no processo narrativo interpretativo nessa atividade. A literatura oferece um local de acolhida a ser encontrado. Monteiro Lobato dizia ter vontade de escrever livros onde as crianças sentissem vontade de morar. Os livros lidos são moradas emprestadas onde é possível se sentir protegido e sonhar com outros futuros, elaborar uma distância, mudar de ponto de vista.

As palavras não são neutras. A linguagem metafórica conduz o homem pra além de si mesmo; ele se torna outro, livre no pensamento e na ação.

Segundo Michèle Petit (p. 71, 2008), em sua obra Os jovevns e a leitura, quanto mais formos capazes de nomear o que vivemos, mas aptos estaremos para vivê-lo e transformá-lo. Enquanto o oposto, a dificuldade de simbolizar, pode vir acompanhada de uma agressividade incontrolada. Quando se é privado de palavras para pensar sobre si mesmo, para expressar sua angústia, sua raiva, suas esperanças, só resta o corpo para falar: seja o corpo que grita com todos os seus sintomas, seja o enfrentamento violento de um corpo com outro, a passagem para o ato.

Pode-se concluir, a partir de experiências relatadas, assim como de obras ficcionais, que a leitura pode sim funcionar como fator de equilíbrio para o ser humano, a partir do momento em que lhe oferece meios para externar suas mais profundas emoções ou instantes em que faz com que saia do mundo real para viver o lado bom do imaginário, o que não necessariamente o leva a leituras de histórias com finais felizes, mas também a narrativas que se assemelhem a sua própria vida. A leitura da literatura é válida com esse objetivo, desde que traga tais benefícios, ainda que de forma não imediata e direta.

Esse bem cultural permite um desvio vital, que conduz a vias desconhecidas, em ruptura com a situação de cada um, recoloca em movimento o desejo, permite recarregar o coração, recuperar o fôlego, reencontrar sob as palavras, emoções secretas compartilhadas, um pano de fundo de sensações, uma força que torna a movimentar o pensamento. É, então, um esquecimento temporário da dor, do medo ou da humilhação que se torna possível.

Para além do caráter envolvente da leitura, dá-se também uma transformação das emoções e dos sentimentos, uma elaboração simbólica da experiência vivida. Daí, poder-se afirmar acerca do equilíbrio provocado pelo ato de ler/ouvir literatura.


REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo. Martin Claret, 2005.

BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2002.

BENJAMIN, Walter (Obras escolhidas – Magia e técnica, arte e política). São Paulo: Brasiliense, 1996.

COLASANTI, Marina. Fragatas para terras distantes. Rio de Janeiro: Record, 2004.

MORETTI, Franco. O Romance, 1: A cultura do romance. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva . São Paulo: Ed. 34, 2008.

PETIT, Michèle. A arte de ler ou como resistir à adversidade. São Paulo: Ed. 34, 2009.


TEXTO RETIRADO DA INTERNET


Llosa, Mario Vargas. Em defesa do romance. Revista Piauí.

http://www.revistapiaui.com.br/edicao_37/artigo_1159/Em_defesa_do_romance.aspx


1 Antonio Candido, “O direito à literatura”, in Vários Escritos, São Paulo/Rio de Janeiro, Duas Cidades/Ouro sobre azul, 2004, pp. 174-5.

2 MORETTI, Franco. O Romance, 1: A cultura do romance. São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 20 a 32.

3Bradbury, Ray. Editora Globo. Rio de Janeiro, 2003

segunda-feira, agosto 05, 2013

HIGH TECH

Sou apaixonada por tecnologia e tento acompanhar as notícias sobre lançamentos de celulares, aplicativos, câmeras fotográficas e suas objetivas, assim como uma gama de aparelhos que me deixam completamente enlouquecida. Sou aficionada por produtos Apple. Samsung, Sony e Nokia disputam o segundo lugar, mas isso consome tempo e dinheiro. Ainda bem que essa paixão sempre perdeu para a literatura, para o amor aos livros tradicionais, de papel, com cheiro de novo ou antigo, não importa.
Eis que um antigo problema voltou a me incomodar: a falta de espaço para guardar os queridos exemplares e isso motivou minha nova aquisição, um Kindle paper white. Foi uma grata surpresa, adorei! As obras com encadernação mais caprichada, tipo Cosac Naif ou Taschen, continuarei comprando, já as demais, poderei simplesmente baixar com um clique. Acho que vai dar certo. Em que pese todo esse entusiasmo pelo novo, por descobertas em qualquer âmbito, tenho me sentido um tanto assustada. Esse espanto começou, especificamente, com as impressoras 3D. Pode parecer besteira, mas não gostei de ver armas sendo materializadas, peça por peça, e funcionando como as que serviram de modelo. É claro que essa invenção irá impulsionar também a fabricação de próteses e poderá ser usada, em inúmeros casos, para o bem. Ainda assim...
Temos, em fase de testes para desenvolvedores, o Google Glass. Já existem telas com rolagem por impulso dos olhos e outras tantas inovações. Enfim, uma evolução impossível de acompanhar. Isso sem falar no Big Data, um incômodo e um benefício ao qual todos estamos sujeitos. A velocidade e a quantidade de informações trafegando em tempo real é absurda. Toda a nossa vida, hábitos e preferências estão na rede. Descobri que se você quiser postar o trecho de um livro no Facebook ou no Twitter via Kindle, precisa antes autorizar o acesso da Amazon aos seus contados nas redes sociais, isso para que a maior loja virtual do mundo possa oferecer e vender produtos, de acordo com os gostos específicos de cada um. Esse é apenas um pequeno exemplo do que a Rede Mundial de Computadores pode realizar.
Em razão do meu trabalho, tenho contato com a investigação de crimes cibernéticos (furto, pedofilia, etc.). Transferências são realizadas para contas bancárias de norte a sul do Brasil. Há buscas pelos números dos IPs de computadores, quebras de sigilo bancário e telemático, visando encontrar os estelionatários, o que, na maioria das vezes, não acontece. A situação é realmente mais grave do que se pensa. Já repararam que ao navegar, por exemplo, no site Grooveshark (biblioteca musical on line), surgem - no lado direito da tela - propagandas de produtos já pesquisados por vocês na internet? Isso acontece em vários locais da rede e não se trata de mera coincidência.
Há, inicialmente, duas opções: render-se à era da tecnologia e ao futuro que em instantes se transforma no presente, com todos os ônus e bônus, diretos e indiretos ou, simplesmente, não se expor em blogs, sites de relacionamentos e redes sociais, não ter cartões de crédito e débito, além de abrir mão dos telefones celulares e afins. Uma terceira possibilidade pode ser buscada, o meio termo, o equilíbrio, não sendo garantida, mesmo com toda cautela, a inexistência do Grande Irmão em meio aos seus dados pessoais e, atenção, com poucas restrições. Eu já escolhi, ficarei com a primeira, arcando conscientemente com as consequências negativas, mas usufruindo dos benefícios que a internet nos proporciona. Faz parte do jogo.
Christiane Reis

segunda-feira, maio 20, 2013

Aquela livraria
Saí do trabalho e atravessei a baía, o que costumo fazer quando quero me atualizar culturalmente, mas não sem antes ligar para o querido livreiro Carlos, pedindo-lhe que separasse as novidades literárias para mim. Então, fui ao lugar onde sempre me senti em casa, a Livraria da Travessa – Ouvidor.
Sentei junto à mesa de costume e o Carlinhos veio com uma pilha de livros recém-lançados. Pedi café, água mineral e comecei a folheá-los, cuidadosamente, separando os que levaria e anotando os títulos dos que encomendaria pelo site, enfim, feliz entre meus brinquedos favoritos.
O Carlos se aproximou com um ar grave e disse: “sabia que vai fechar?” Heim? Como assim? “É difícil manter uma livraria para vender obras de editoras específicas, de universidades. É melhor vender esses livros junto aos best-sellers, na livraria maior, da Sete de Setembro. Há também a concorrência com a Cultura...” Gelei, entristeci, murchei.
Imediatamente, as reminiscências dos quase quinze anos naquele lugar invadiram a mente. Os almoços, os amigos do Rio, os livreiros que me atenderam maravilhosamente durante esse tempo, enviando sacolas de livros para que eu analisasse com calma, nas horas vagas do trabalho; mandando entregar os presentes que comprava para os amigos, e até livros em minha casa chegavam, via moto-boy, quando passei a trabalhar do outro lado da boca banguela.
Quando triste, ia à Travessa buscar conforto. Quando feliz, tomava vinho durante o almoço ou cerveja, depois de um dia entre processos judiciais tediosos, pra lavar a alma e encher a mente de poesia. Lá assisti pequenos shows de música e palestras, conheci Luiz Alfredo Garcia-Roza, com quem tive o prazer de conversar e fui apresentada às obras de Marçal Aquino (Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios), Carlson McCullers (O coração é um caçador solitário), Coetzee (Desonra), Ian Mcewan (Reparação), João do Rio (A alma encantadora das ruas),Sándor Márai (As brasas), João Antônio(Malaguetas, perus e bacanaços) e tantos outros. Lá aprendi mais sobre literatura contemporânea que na faculdade de Letras.
Quando as minhas filhas cresceram um pouco, levei-as para conhecer a livraria. Ganharam livros infantis, saborearam o inesquecível risoto da Brasserie Rosário, que ainda funciona no local, mas, feliz ou infelizmente, só até o dia 29/05/2013.
É estranho quando param de fabricar seu perfume preferido, afinal, as pessoas passam a lhe reconhecer por aquele aroma peculiar, como aconteceu com o Arbo da Boticário, que fixava melhor em mim que qualquer importado. É ruim quando fecham seu restaurante preferido, onde tantas datas especiais foram comemoradas, onde os garçons lhe chamam pelo nome, como se deu com a Trattoria Torna para que um fast-food pudesse ser inaugurado. É pior quando sua livraria favorita, intimista, encerra as atividades e um dos motivos é a concorrência com uma mega-store.
Sinal dos tempos. Ciclos que se encerram, o que é natural e faz parte da vida. Mas, ficam as lembranças e com elas saudade e nostalgia, dessas “que botam a gente comovido como o diabo".

 Christiane Reis

sexta-feira, abril 12, 2013

PAPO DE MULHER...

Caminhava à toa pelo centro da cidade, quando lembrei que a grafite 0,3, além de outros artigos de escritório, estavam no fim. Segui para a Papelaria União e dei início à escolha dos meus objetos, toda feliz, pois amo livrarias e lojas do gênero. Simplesmente, esqueço da vida entre clipes coloridos, cartões, canetas, lápis e coisinhas para enfeitar a mesa de trabalho.
Sou uma arquiteta que projeta interiores e adora escrever. Tenho um blog e viciei nas redes sociais. Então, pra variar, estava com os ouvidos abertos às conversas alheias, observando pessoas, roupas, sapatos, enfim, percebendo tudo à minha volta pra poder postar no Face e rir dos comentários. Que futilidade! Vocês podem pensar, mas me distraio com isso. É bom pra arejar as ideias.
Quando passava pela estante de canetinhas coloridas, ouvi duas mulheres que pareciam amigas desde o tempo de escola, batendo papo despreocupadamente e com as respectivas cestinhas cheias das mesmas coisas que eu gosto.
Val, você ainda tem meu telefone? Não? Anota aí: 92355667. Ok. Coloquei na agenda do celular, mas confere se eu digitei certo, porque de perto não enxergo nada. A amiga pega o iphone da Val, estica o braço e diz que também não consegue ver, porque é míope, está usando lentes de contato e esqueceu os óculos de leitura em casa. Já sei! Vou ligar pra você now. Se tocar, aproveita e salva o meu número. Tá chamando. Beleza, vou gravar. As duas, que deviam ter entre quarenta e quarenta e cinco anos, morreram de rir e continuaram a conversa.
- Menina, eu tive dengue, fiquei arriada por uns dez dias. A pele ainda está sensível e nem pude pintar os cabelos. A gente, que tem cabelo escuro, fica logo com os brancos aparecendo. Meu sobrinho olhou de cima e falou: “tia, está horrível! Eu não ia querer casar com uma mulher assim”. É mole?
- Não, é um saco! Ir ao salão passar tonalizante, no mínimo uma vez por mês, fazer as unhas, sobrancelhas, depilação... Ninguém merece.
- É, a idade é uma merda. Estou usando, diariamente, colírio lubrificante, por causa das lentes, spray nasal, pra lavar as narinas e melhorar a rinite, sem falar no hidratante nas mãos, porque o ar-condicionado do escritório resseca tudo e transforma a pele num craquelê.
- Ah, Lurdinha, nem reclamo mais, porque uma colega de trabalho está entrando na menopausa e contou que o KY se transformou em seu melhor amigo...
Papo bom à beça! Se fosse num bar, sentaria pertinho, tomando chope, com os olhos displicentes sobrevoando o lugar. Mas, eu precisava terminar de comprar o material e, antes de ser notada, sair logo de trás da estante (Não de dentro do armário, por enquanto, afinal, nessa feliciana fase, pós declaração de amor entre baianas, tudo é possível). Maravilha:.já tinha assunto bastante para escrever no blog, postar no Face e, o melhor, sem precisar inventar.

quarta-feira, abril 10, 2013

PAPEL A4

Folha em branco. Despertei com ela em meu pensamento, enquanto ainda me preparava para existir e era tomada por um desassossego típico de Pessoa. Escrever, naquela manhã, não seria prazeroso, pois havia se tornado parte de um ofício e não mais uma necessidade da alma inquieta.
Busquei lembranças, pensei em leituras e poetas. Cheguei mesmo a imaginar um bonde tendo como passageiro o homem atrás dos óculos e do bigode. Nada me vinha à mente. Então, revi fatos do cotidiano, vividos a caminho do trabalho, mas nenhum deles foi capaz de me fazer encontrar palavras que se casassem e pudessem cumprir plenamente sua função, quando deitadas sobre a página de um jornal.
Como num exercício de disciplina, tomei papel, caneta e tinteiro, debrucei-me sobre a mesa e pensando no que diria aos leitores, decidi beber da fonte de João do Rio e – para o meu deleite – encontrei a crônica “A crise dos criados”, texto publicado entre de 1905 e 1910, quando sua previsão era a de que em dez anos talvez não existissem mais criadas no Rio de Janeiro.
Mais de um século se passou e não só há domésticas como foi aprovada uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) assegurando a elas os direitos antes previstos apenas para outras categorias. Entretanto, a tendência é a de que, como já se deu em diferentes países, venhamos a ter diaristas bem remuneradas e utensílios que facilitem a vida no lar, pois os empregadores terão cada vez menos condições de satisfazer prestações como FGTS e auxílio-creche, por enquanto pendentes de regulamentação, já que a família não visa o lucro e tem objetivos diferentes dos empresariais.
Gostaria de acreditar em outras possibilidades, crer no ideal de que as pessoas venham a realizar suas escolhas a partir de uma educação de qualidade, com aquisição de capacidade profissional compatível com o emprego desejado, adquirindo, consequentemente, melhores salários. Por enquanto, infelizmente, minha previsão é: aumento do desemprego, burla à lei e o caça-níqueis do governo funcionado a pleno vapor.
Oxalá que João do Rio tenha se atrasado cem anos e, em outros dez, realmente não tenhamos “criadas” no Brasil, mas a real valorização de todos os tipos de trabalho.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

A canção desesperada (Pablo Neruda)

Em razão do pedidos no Facebook, segue a íntegra do poema.

Aparece tua recordação da noite em que estou.
O rio reúne-se ao mar seu lamento obstinado.

Abandonado como o impulso das auroras.
É a hora de partir, oh abandonado!

Sobre meu coração chovem frias corolas.
Oh sentina de escombros, feroz cova de náufragos!

Em ti se ajuntaram as guerras e os vôos.
De ti alcançaram as asas dos pássaros do canto.

Tudo que o bebeste, como a distância.
Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!

Era a alegre hora do assalto e o beijo.
A hora do estupor que ardia como um faro.

Ansiedade de piloto, fúria de um búzio cego
túrgida embriaguez de amor, Tudo em ti foi naufrágio!

Na infância de nevoa minha alma alada e ferida.
Descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrágio!

Tu senti-se a dor e te agarraste ao desejo.
Caiu-te uma tristeza, Tudo em ti foi naufrágio!

Fiz retroceder a muralha de sombra.
Andei mais adiante do desejo e do ato.

Oh carne, carne minha, mulher que amei e perdi,
e em ti nesta hora úmida, evoco e faço o canto.

Como um vaso guardando a infinita ternura,
e o infinito olvido te quebrou como a um vaso.

Era a negra, negra solidão das ilhas,
e ali, mulher do amor, me acolheram os seus braços.

Era a sede e a fome, e tu foste à fruta.
Era o duelo e as ruínas, e tu foste o milagre.

Ah mulher, não sei como pode me conter
na terra de tua alma, e na cruz de teus braços!

Meu desejo por ti foi o mais terrível e curto,
o mais revolto e ébrio, o mais tirante e ávido.

Cemitério de beijos,existe fogo em tuas tumbas,
e os racimos ainda ardem picotados pelos pássaros.

Oh a boca mordida, oh os beijados membros,
oh os famintos dentes, oh os corpos traçados.

Oh a cópula louca da esperança e esforço
em que nos ajuntamos e nos desesperamos.

E a ternura, leve como a água e a farinha.
E a palavra apenas começada nos lábios.

Esse foi meu destino e nele navegou o meu anseio,
e nele caiu meu anseio, Tudo em ti foi naufrágio!

Oh imundice dos escombros, que em ti tudo caía,
que a dor não exprimia, que ondas não te afogaram.

De tombo em tombo inda chamas-te e cantas-te
de pé como um marinheiro na proa de um barco.

Ainda floris-te em cantos, ainda rompes-te nas correntes.
Oh sentina dos escombros, poço aberto e amargo.

Pálido búzio cego, desventurado desgraçado,
descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrágio!

É a hora de partir, a dura e fria hora
que a noite sujeita a todos seus horários.

O cinturão ruidoso do mar da cidade da costa.
Surgem frias estrelas, emigram negros pássaros.

Abandonado como o impulso das auroras.
Somente a sombra tremula se retorce em minhas mãos.

Ah mais além de tudo. Ah mais além de tudo.
É a hora de partir. Oh abandonado.