quinta-feira, agosto 28, 2008

SEDA, do escritor italiano Alessandro Baricco

Conferi e adorei outra excelente dica do Carlinhos da Livraria da Travessa (Ouvidor):


Hervé Joncour, de Lavilledieu, cidade numa região qualquer do sul da França, estava destinado pelo pai à carreira militar até o dia em que entrou em sua vida Baldabiou, proprietário de sete fiações de seda. Nas histórias da tradição oral um gênio ou fada sugere um novo caminho ao herói; Baldabiou transforma o subtenente de infantaria num comerciante.

“A fim de evitar os estragos das epidemias que cada vez mais afligiam as criações européias, Hervé Joncour se deslocava além do Mediterrâneo para comprar ovos de bicho-de-seda na Síria e no Egito”. A África era apenas um lugar aborrecido, e as viagens duraram oito anos. Quando elas se tornaram improdutivas, por conta de uma epidemia, Baldabiou e os sericicultores de Lavilledieu financiaram uma viagem de Jancour até o fim do mundo: o Japão. Na despedida, ele abraçou a esposa Hélene, e pediu que não tivesse medo de nada. Sempre atrás de comprar ovos de bicho-de-seda que não estivessem infectados pela epidemia de pebrina, Jancour chegou a uma ilha japonesa de localização imprecisa, onde se apaixonou por uma mulher com rosto de menina e olhos sem o corte oriental.

Seda, livro do italiano Alessandro Baricco, situa-se naquele espaço em que é difícil classificar a categoria a que pertence. Conto? Muito extenso, mesmo se considerarmos o padrão Tolstoi em A morte de Ivan Ilitch. Romance? Talvez não, por tratar-se de um relato que encerra um relato secreto, modelo do conto. Novela? Se decidirmos que O legado de Eszter, de Sándor Márai, e Crônica de uma morte anunciada, de García Márquez são novelas, é possível incluir Seda nessa categoria mal definida, em que se considera o número de páginas como critério.

Baricco não faz mais do que narrar uma bela história, pondo as palavras nos lugares certos, como os ourives que engastam os diamantes nas jóias perfeitas. Não cede à tentação da prosa poética, embora impregne o texto de poesia:

“A vida se agitava em voz baixa, movia-se com lentidão astuta, como um animal caçado na toca. O mundo parecia a séculos de distância.”

Ou deixando que a narrativa assuma forma de estrofe.

De repente, sem movimento algum a menina abriu os olhos.

É quase de estranhar que um escritor italiano contemporâneo se valha dos recursos da narrativa oral, sobretudo as repetições, para construir a sua novela. As três primeiras viagens ao Japão são narradas da mesma maneira, tanto no percurso de ida como no de volta. Hervé Joncour, que tinha a incontestável tranqüilidade dos homens que se sentem no lugar apropriado, aceitou-as porque talvez sofresse de um gosto pelo desconhecido. Como se fosse possível reunir numa mesma pessoa o sedentário e o viajante da classificação dos narradores de Walter Benjamin.

Na quarta viagem, o Japão de aparência serena se transformou com a guerra e as pessoas sofrem o transtorno. Já não escutamos a voz solene e repetitiva de um velho contador de histórias. Agora, é o escritor Alessandro Baricco quem domina a escrita, introduz comentários casuais, descreve cenas de um erotismo arrepiante, pinta a paisagem e seus pássaros. E cria um enredo cheio de surpresas, misturando os sentimentos de Hervé pela amante com rosto de menina, que não se corporifica além dos olhares e leves toques através da seda, e Hélene, a esposa de voz bonita que o aguarda em casa, pressentindo que o marido morrerá de saudade de algo que nunca mais voltará. O misterioso Japão, depois da quarta e mal sucedida viagem, se transforma em dolorosa lembrança.

Com a delicadeza de um Junichiro Tanizaki louvando a sombra e a sensualidade da vida oriental, Alessandro Baricco escreve uma obra sobre a sedução de dois mundos aparentemente incomunicáveis, sem nenhuma intenção que não seja a de narrar. Narrar simplesmente, como poucos conseguem fazer tão bem.

Ronaldo Correia de Brito

Meus amores!!!

Adoro "coisas da antiga..." - Penedo/RJ

Subir nesse telhado foi difícil... Mas eu CONSEGUI!

TERÊ

PARQUE NACIONAL DO ITATIAIA - MAROMBA

Artigo da amiga e colega da Especialização em Literatura Infanto-Juvenil (UFF - 2004), LENIR CASTRO.

Leitura e Exclusão

O texto a seguir pretente fazer um estudo brevíssimo sobre o acesso de leitores, estudantes ou não, a livros e material didático. Ou seja, aqui se pretende discutir as várias formas de exclusão (para os de menor ou nenhum poder aquisitivo) ou inclusão (para os de maior poder aquisitivo).
A partir do texto da professora Magda B. Soares "As Condições Sociais da Leitura", podemos claramente entender duas formas distintas de ler: a leitura como forma de promoção social (com função de informação e prazer/lazer) e a leitura para aqueles que não ascenderam à condição social alguma (tem como função o acesso a uma vida melhor, um bom emprego). Esse último grupo é chamado de "analfabeto funcional", com pouca compreensão para a leitura e com dificuldade até para assinar o nome. Assim são chamados pelas "políticas públicas" e usados para elevarem os chamados "indicadores sociais".
A autora traça um panorama bastante claro em relação à prática leitora: a leitura como ferramenta de ascensão social servindo às classes dominantes e a mesma leitura que é quase inacessível às camadas mais pobres da população.
A partir de inúmeras entrevistas, Magda Soares identifica: "os valores da leitura sempre apontados são aqules que lhe atribuem as classes dominantes, radicalmente diferentes dos que lhe atribuem as classes dominadas. Pesquisas já demonstraram que, as classes dominantes vêem a leitura como fruição, lazer, ampliação de horizontes, de conhecimentos de experiências, as classes dominadas a vêem pragmaticamente como instrumento necessário à sobrevivência, ao acesso ao mundo do trabalho, à luta contra suas condições de vida" (pg. 21).
Como podemos verificar, há dois direcionamentos de leituras completamente distintos. Sem condição de acesso à leitura, a camada mais pobre da população fica, por assim dizer, na obscuridade, sem acesso á verdade, como reafirma ainda Magda Soares: "Da língua escrita apropriam-se as classes dominantes, fazendo dela o discurso da verdade, repositório de um saber de classe, apresentado como um saber legítimo. O acesso à escrita pelas camadas populares pode, por isso, significar a renúncia ao seu próprio saber e ao seu próprio discurso, a sujeição ao saber e ao discurso do dominante". (pg. 22). Dessa forma, fica fácil a manipulação de dados, para que o acesso seja escamoteado.
Na interlocução direta com a autora, Paulo Freire em "A Importância do Ato de Ler', no seu terceiro artigo sobre a alfabetização em São Tomé e Príncipe, aponta: "...parece interessante agora, antes de concluir este trabalho com a transformação de mais alguns textos, fazer considerações em torno de um ou dois pontos, pelo menos, no campo do estudo da língua e da linguagem. Nesse caderno, a Introdução à Gramática não ultrapassa a análise das chamadas Categorias Gramaticais, nunca, porém, feita de maneira formal ou mecânica. Pelo contrário, sempre dinamicamente. Uma das preocupações nossas, considerando a necessidade que terão - é que seria funesto se não viessem a ter - os participantes dos círculos de pós-alfabetização de ler documentos do Movimento, de ler o jornal "A Revolução", de ler documentos oficiais do Governo etc... era introduzir o uso do pronome relativo "QUE" (grifo meu). A razão dessa necessidade está em que é exatamente esse pronome um dos que possibilitam o emprego muito comum, às vezes até abusivo, no discurso não- popular, das oraçoões intercaladas. Quanto mais estas orações distanciam o sujeito da oração principal de seu verbo, tanto 'MENOS FÁCIL" (grifo meu) fica a compreensão do discurso. Não é assim na verdade, que falam os grupos populares. Diante dessa constatação, não me parece que se deva simplesmente esquecer o fato mas 'INSTRUMENTALIZAR" (grifo meu) os grupos populares para que dominem essa forma de linguagem que revela outra estrutura de pensar 'QUE NÃO A SUA" (grifo meu) (pg.89).
Neste artigo, Paulo Freire cita o exemplo de um simples conectico ou pronome relativo como o agente transformador (ou não) da consciêntização do leitor. Não podemos perder de vista que essa forma de instrumentalizar a língua, remonta a "séculos de sucesso", é usado desde há muito, primordialmente como acesso ao poder, e hoje para perpetuá-lo.
Nossa função como educadores, orientadores, pais e formadores de opinião, é trabalhar pela inclusão, desconstruindo tanto quanto nos for possível o "discurso estabelecido".
Mas, como fazer para dar acesso ao livro a esse leitor excluído?
Cada um de nós tem um compromisso por assumir: dentro de nossas possíbilidades contribuir para a formação de um leitor crítico, que possa entender o mundo na várias formas e "linguagem" em que ele, o mundo, se apresenta. Nossa função é "despertar" o leitor de um sono "provocado", por assim dizer. Deixar de indicar livros de narrativas fúteis ou comprometidos com a mídia, ou mesmo estar atento para o comércio que se verifica hoje entre as escolas e editoras.
Precisamos emergir para um novo tipo de sociedade. Nessa nova sociedade que está por vir, deverá ficar definitivamente sepultado o "darwinismo social" em que vivemos hoje: somente sobrevive o mais apto, o mais bem preparado. É preciso preparar esse cidadão,(formando leitores críticos) ou essa criança que emergirá, para viver numa sociedade em que ela se sinta fortalecida pela leitura de bons livros: filosóficos, literários, políticos e toda gama de conhecimento. Só assim poderemos circunscrever um espaço livre - o espaço de pensar - para cada ser humano, respeitando seus limites, opiniões e sentimentos; edificando uma sociedade mais fraterna e solidária.

Bibliografia Consultada:

SOARES, Magda. "As Condições Sociais da Leitura" in: Leituras Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1995

FREIRE, Paulo. "A Importância do Ato de Ler". São Paulo: Cortez, 1992.

UFF - 2004 - 1º semestre

O coração é um caçador solitário

Voltei ao trabalho e à rotina. Pra falar a verdade, eu já estava sentindo falta dos colegas da PRM/NIT, da música clássica nos fones de ouvido, almoços e também, é claro, de estudar literatura, apesar de estar cursando apenas duas matérias (on-line): Literaturas Africanas e Literatura Hispano-Americana. Tudo isso é bom, depois de umas férias tumultuadas...

Ir ao dentista no Rio e tomar um café na Livraria da Travessa, ver o Carlinhos (gerente fofo e atencioso) e saber das dicas sobre livros, cds e dvds. Lá eu consegui o filme clássico “Pele de Asno”, além do livro “O coração é um caçador solitário” (Carson Mccullers), verdadeiras descobertas! E ainda tenho “Jerusalém”, do português Gonçalo M. Tavares para me deliciar.


Vejam o que diz Paola de Orde à Revista Idéias nº 74, sobre o belo livro de Mccullers:

“Não há dúvidas de que esse é o título de livro mais bonito e singelo que já existiu. Digno de tatuagem em lugar visível. De discurso de presidente pré-suicídio. De carta de amor despedaçado, cuspido e dilacerado.
Porém, The Heart is a Lonely Hunter (a ressonância em inglês deixa o nome ainda mais bonito) não trata de nenhuma das solidões citadas. A solidão do livro não é a solidão do amor e do desespero. É a solidão do dia-a-dia, de gente comum. A solidão que mata ao passar da horas e é inerente à nossa racinha.
Os solitários convidados por Carson McCullers, pseudônimo da escritora Lula Carson Smith, para reger a orquestra da solidão são: Dr. Copeland, Biff Brannon, Jack Blount e Mick Kelly. O maestro: John Singer. Não é que os outros personagens não sejam solitários. Todos são. Mas os outros são apenas espectadores morando em uma cidade pobre ao sul dos Estados Unidos no começo do século passado.
Dr. Copeland é um médico negro e marxista que acredita na salvação do seu povo através dos mandamentos de Karl Marx. Muito respeitado entre os “do seu povo”, casou-se e teve filhos. Durante os primeiros anos de suas vidas, sonhou com dias de glória, em que ele e os quatro salvariam os negros norte-americanos da miséria. Porém, os anos foram se passando e as crianças nunca se interessaram pelas suas idéias. Se transformaram em tudo o que o Dr. Copeland odiava.
Biff Brannon, dono de bar, passa seus dias recebendo clientes esfomeados e suas noites servindo bêbados. Um deles é Jack Blount, outro comunista, porém mais revoltado perante a vida. Blount vive mudando de cidade em cidade nos Estados Unidos à procura de alguém que o entenda e que queira o acompanhar em seu caminho contra as injustiças do mundo. Tudo o que consegue é rejeição e humilhação.
O personagem mais sedutor para leitores de passado sonhador é Mick Kelly. Mick está numa fase entre a infância e a adolescência e certo dia, ouvindo rádio, descobre a música clássica. Fica encantada e decide que quando crescer vai virar música. Porém, como toda criança que sonha com um futuro artístico, Mick não fica só na profissão. Ela sonha com grandes teatros em terras cobertas com neve e paisagens suíças. Com fãs, vestidos elegantes, e comida de sobra. Todos esses sonhos, Mick esconde no “mundo de dentro”. A solidão surge quando Mick é obrigada a voltar para o mundo de fora e lembra que está com fome.
John Singer é surdo mudo. Depois de seu melhor amigo e fiel companheiro, Antonapoulos, ser tomado pela loucura e acabar internado em um hospício, Singer passa a alugar um quarto na casa dos Kelly. Nesse quarto, recebe as visitas do Dr. Copeland, Biff Brannon, Jack Blount e Mick Kelly. Os quatro contam suas histórias e anseios de vida para Singer, que passa seus dias a ler os lábios dos solitários. Todos ficam impressionados com a genialidade do mudo e começam a adorá-lo, como a um ídolo. Nunca sabem explicitar por que o amam tanto. Nenhum deles sabe explicar por que amam tanto uma pessoa que só ouve (ou melhor, lê lábios), nunca fala”.