Isso é arte?
Leonardo Esteves
Leonardo Esteves
“Arte é para ser bonita?”, perguntou-me um dia desses, na saída de uma aula de Didática, um aluno de licenciatura em Química da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E sendo eu o único representante das artes naquela sala, não tive como “escapar” da sua curiosidade. “Arte é para ser bonita?”, voltou a perguntar como se eu não tivesse compreendido. “Pois para mim, tem que ser!”, continuou respondendo a si próprio. E mesmo não querendo comprar a briga, me vi na obrigação de responder: Não, não é! Mas eu posso explicar, completei.
De fato, o ideal de beleza é bastante relativo. Para Platão, por exemplo, a beleza é aquilo que confere a característica de belo a algum objeto, assim como a justiça confere a característica do justo. É lógico que a História da Arte viu diversas formas de beleza para a concepção de suas obras. No Egito, por exemplo, quanto mais fiel fosse a representação, melhor. Mas como classificaríamos as obras renascentistas – com sua perfeição cromática, tridimensional e anatômica – diante das pinturas egípcias? Quais são as mais belas? Se entendermos que no Egito as representações seguiam “esquemas” de figuras frontais e sem tridimensionalidade, enquanto no Renascimento os estudos de perscpectiva e anatomia de Leonardo Da Vinci resultaram em obras completamente diferentes, concluiremos que o conceito de “belo” havia mudado.
Mas a Arte não parou no Renascimento. Os movimentos que seguiram usaram mesmas conquistas para enganar nossos olhos e transformar a tela – bidimensional – em uma janela com luz e profundidade. E nós acreditamos em tudo até Monet trazer a tinta para fora do quadro e mostrar que os responsáveis pela formação das imagens eram os nossos próprios olhos. Estava para nascer a pintura moderna.
Hoje a arte é sincera, não engana mais. Nem pode! As técnicas foram dominadas por todos. Marcel Duchamp questionou o sistema de arte com seu mictório batizado de “La Fontaine”, dando origem ao que se entende por “ready-mades”. E como nos tempos antigos, a arte continua falando de coisas que a circundam. Os mitos, crenças e valores foram “revistos” e hoje recaem sobre a fauna de objetos, imagens e informações que nos cercam. A Pop Art é o maior exemplo disso. Ao esculpir donas-de-casa americanas empurrando carrinhos de supermercados repletos de enlatados, e ao multiplicar o rosto de estrelas holliwoodianas em diversas cores, a arte afirmava: esses são os seus novos valores! Foi na sociedade de consumo, inaugurada pelo “american way of life”, que os objetos ganharam novos significados e deixaram de ter importância somente pelo aspecto da sua funcionalidade. Eles passaram a ser sinômimo de status. O apelo das cores, formas, tamanhos – e até do preço – faz com que cada objeto signifique algo além daquilo para o que foi produzido. Uma calça jeans é – além de uma peça do vestuário – sinômimo de juventude, rebeldia, informalidade; assim como uma boneca Barbie que – além de um brinquedo – é um padrão de beleza e estilo de vida defendido pelo próprio slogan publicitário: “é tudo o que você quer ser”.
É nesse sentido que devemos ver a Arte Contemporânea. Restou ao artista usar de uma poética própria que envolvesse os conhecimentos obtidos na sociedade durante esses séculos, somando esses conceitos numa obra plástica provocadora, não no sentido agressivo da palavra, mas sim, no sentido de que a arte deve proporcionar uma nova leitura do mundo. Portanto, só será possível “ler as entrelinhas” da obra aquele espectador que se permitir relacionar as suas percepções, lembranças, vivências e conhecimentos diante daquele estímulo visual. A obra de arte já não é mais tão direta (coisa que na verdade nunca foi, diga-se de passagem), e só se permite ser contemplada com a participação ativa do espectador. É nele que o significado se fecha. Logicamente, como tudo que se faz no tempo presente, existem trabalhos bons e trabalhos ruins. Além disso, como a multiplicidade do mundo moderno, a Arte Contemporânea tem diversas formas de expressar essas novas poéticas, o que permite que trabalhos tão diferentes se aproximem e se distanciem na medida em que novas proposições são feitas.
E àquela pergunta restou-me explicar que, talvez, meu colega de turma não quisesse dizer “bonita”, mas sim, “agradável”. Poeticamente é bela – respondi – mais no seu significado do que na sua aparência. Estava ali o tempo todo para provocar, mesmo que subjetivamente, causando percepções boas ou ruins. E conseguiu o que queria, finalizei. Portanto, quando estiver diante de uma obra de arte contemporânea procure ver além daquilo que você efetivamente vê. Nesse “jogo” estão envolvidos o material, as proporções, as relações com o espaço e com o espectador, além da própria re-significância daquilo que está sendo inicialmente proposto. Nada está ali por acaso. Dessa forma você pensará duas vezes antes de repetir a frase – Isso é arte? – diante daquela obra (de arte, é claro!).
Leonardo Esteves
Formando do curso de Artes Plásticas (bacharelado e licenciatura) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Um comentário:
Olha o meu texto aí, geeeeeeeeeeeeeeente! Valeu pela força, Chris! Bjs.
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