segunda-feira, setembro 26, 2011

FACES

Livia na web


Aliteratura é não o lugar do saber, mas da ignorância. Não é o lugar do sucesso, mas do fracasso. Por isso ela incomoda tanto. Por isso parece tão extemporânea. Recolho essas ideias, breves, mas potentes, em “Faces” (Record), novo livro de Livia Garcia-Roza. Estranho livro (outro incômodo), fruto de outro lugar que atiça, mas também incomoda a tantos escritores: a internet.
O surgimento da internet promoveu uma asfixiante proliferação de novos escritos e de novas assinaturas literárias, que vieram agitar o cenário antes introspectivo e discreto da literatura. Os textos reunidos em “Faces” (o nome já sugere isso) foram escritos, originalmente, para o Facebook, durante os anos de 2009 e 2010. Trata-se, como diz Livia, de “uma literatura no estilo Web 2.0”. Ideia que, por certo, arrepiará os escritores mais clássicos.
São textos curtíssimos — comprimidos no limite cruel de 420 caracteres que a rede impõe. Exercícios de concisão, eles espremem as palavras até lhes arrancar algumas gotas da alma. Lembram os minicontos, hoje tão em moda, e também os milenares hai-kais. É do pouco, muito pouco, que Livia tira sua escrita. O que dá razão a uma de suas reflexões. “Escrever, muitas vezes, é um viver”.
A internet empurra a palavra pela garganta da vida. Caracteriza-se por textos escritos no calor da hora e, por isso mesmo, em estado de grande risco. A lentidão, a reflexão, a meditação silenciosa de cada frase — armas preciosas do escritor tradicional — ficam alijadas. É escrever, ou escrever, agora e já, exatamente como vivemos.
A parte mais preciosa de “Faces” se destina a uma reflexão seca, mas cortante, a respeito da própria literatura. Há, nesse sentido, uma ideia chave: “A função da literatura não é persuadir, mas provocar”. Os posts que Livia agora transporta para um livro disparam delicados choques em seu leitor. São como relâmpagos, breves, mas contundentes, que nos conectam a pensamentos encapsulados em ríspidas linhas. À distância, assemelham-se a uma luz que morre. Mas é dos pequenos acontecimentos que Livia arranca o sangue do mundo.

“Se é literatura”, diz Livia — e é literatura sim —, “é subversiva”. Acredita a escritora que a prosa é, além de ato, e não ofício, uma experiência mundana. É no contato bruto com o mundo, sem nenhuma pretensão de se tornar espelho, ou lei, que ela se fertiliza e se qualifica. “Faces” prova, aos que ainda duvidam, que a literatura está muito além dos meios que a veiculam — livros, blogs, ou o que seja. A web não matou a literatura. O livro digital não a matará. Diz Livia, com firmeza: “O lugar da literatura está além do lugar do escritor”. Não importa se ele trabalha em uma biblioteca, ou em uma lan house: importa que escreva, e que sustente sua escrita.

Em pleno século XXI, são muitas as ilusões que ainda cultivamos a respeito da palavra. Uma das mais graves: a de que o homem a inventou. Afirma Livia: “A linguagem não surgiu no homem; o homem surge com a linguagem”. Escreve-se, ela nos diz, de um lugar desconhecido e para desconhecidos. Não interessa saber se o escritor trabalha no Facebook, ou em uma enciclopédia; interessa saber se a palavra continua a ser subversiva, isto é, se ainda pode deslocar nossas certezas e divisar novos horizontes. Se for só repetição, ela pode até abrigar-se em capa dura e papel-bíblia, mas literatura não será.

Até porque a literatura, a rigor, não está nos livros, ou nas páginas da web, mas ocupa um lugar imaginário entre eles e o leitor. Recordo aqui de Vilém Flusser, o filósofo tcheco-brasileiro, que estou sempre a ler. Dizia Flusser que a literatura não está no texto, tampouco no leitor, mas no entrecruzamento entre eles. Para usar a imagem de um bordado: o texto seria a trama, isto é, o conjunto de fios passados no sentido transversal do tear, entre os fios da urdidura. Já a urdidura — conjunto de fios dispostos no tear paralelamente a seu comprimento, e por entre os quais passam os fios da trama — seria o leitor. Se você puxa o fio da trama, ela se desfaz, e literatura já não há. Mas se repuxa o fio da urdidura e arranca de cena o leitor, literatura não há também.
Em consequência, pouco importa saber se o escritor trabalha em um caderno, ou em uma tela de computador. Se está sozinho, ou online. Pouco importa, ainda, saber onde está o leitor, ou mesmo quem ele é. “Há tantos sentidos para um texto quanto forem as pessoas que o lerem”, diz Livia. “É a isso que se chama riqueza literária”. Talvez se possa dizer de modo ainda mais frontal: a isso se chama literatura.

“Faces” é, por isso mesmo, um exercício de deslocamento. Consagrada com livros como “Milamor”, de 2009, e “O sonho de Matilde”, de 2010, Livia Garcia-Roza sabe que a experiência no Facebook não coloca sua literatura em risco. Até porque literatura sem risco literatura não é. A troca do suporte não afeta um texto, que é sempre indiferente à matéria. A relação da escrita com o mundo não é de obrigação, ou de dívida: é de provocação. Resume Livia: “Escrever é rondar-se”.

“Faces” reúne também minitextos dedicados às crianças, à família, ao cotidiano e à psicanálise. E ainda algumas “pensatas” — em que a escritora prolonga suas reflexões a respeito da escrita. “A frase não traz com ela o sentido. O sentido é dado por quem escuta”, diz. E mais: “Sem escutar, não há palavra”. Destaca Livia, aqui, o papel do silêncio — esse grande deserto que nos obriga a procurar pelo outro. Ela mesma afirma: “A palavra não esgota a significação; há sempre o silêncio que contém a verdade”.

Mas, após o silêncio, surge sempre o momento do retorno ao dizer. Na seção “psicanálise”, Livia nos traz um brevíssimo relato que aponta seu caráter escorregadio, mas, por isso mesmo, perturbador. Deitada no divã em pose provocante, uma atriz pergunta a seu psicanalista: “O senhor já me viu representar?” Com duas palavras cortantes, o analista inverte a pergunta e não a poupa: “Fora daqui?” A palavra está sempre fora do lugar e, o mais assustador, está sempre fora da própria palavra. É nesse exílio que o escritor deve se acostumar a viver.



Email: josegcastello@gmail.com. Leia mais textos do colunista em www.oglobo.com.br/blogs/literatura

terça-feira, setembro 13, 2011

NOSSO SARAU




FORMATURA - LETRAS (PORTUGUÊS - LITERATURAS)



O SILÊNCIO DA CHUVA - LUIZ ALFREDO GARCIA-ROZA




No centro do Rio de Janeiro um executivo é encontrado morto com um tiro, sentado ao volante de seu carro. Além do tiro, único e definitivo, não há outros sinais de violência. É um morto de indiscutível compostura. Mas isso não ajuda: ninguém viu nada, ninguém ouviu nada.O policial encarregado do caso, inspetor Espinosa, costuma refletir sobre a vida (e a morte) olhando o mar sentado em um banco da praça Mauá. No momento tem muito sobre o que refletir. De um lado, um morto surgido num edifício-garagem; de outro, a incessante multiplicação de protagonistas do drama. Tudo se complica quando ocorre outro assassinato e pessoas começam a sumir.

Estou lendo e adorando! Fiquei sabendo que o Daniel Filho comprou os direitos autorais para realizar um filme.Oba! Espero que seja tão bom (ou quase) quanto o livro.

Prêmio Jabuti 1997 de Melhor Romance
Prêmio Nestlé de Literatura 1997