Folha em branco. Despertei com ela em meu pensamento, enquanto ainda me preparava para existir e era tomada por um desassossego típico de Pessoa. Escrever, naquela manhã, não seria prazeroso, pois havia se tornado parte de um ofício e não mais uma necessidade da alma inquieta.
Busquei lembranças, pensei em leituras e poetas. Cheguei mesmo a imaginar um bonde tendo como passageiro o homem atrás dos óculos e do bigode. Nada me vinha à mente. Então, revi fatos do cotidiano, vividos a caminho do trabalho, mas nenhum deles foi capaz de me fazer encontrar palavras que se casassem e pudessem cumprir plenamente sua função, quando deitadas sobre a página de um jornal.
Como num exercício de disciplina, tomei papel, caneta e tinteiro, debrucei-me sobre a mesa e pensando no que diria aos leitores, decidi beber da fonte de João do Rio e – para o meu deleite – encontrei a crônica “A crise dos criados”, texto publicado entre de 1905 e 1910, quando sua previsão era a de que em dez anos talvez não existissem mais criadas no Rio de Janeiro.
Mais de um século se passou e não só há domésticas como foi aprovada uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) assegurando a elas os direitos antes previstos apenas para outras categorias. Entretanto, a tendência é a de que, como já se deu em diferentes países, venhamos a ter diaristas bem remuneradas e utensílios que facilitem a vida no lar, pois os empregadores terão cada vez menos condições de satisfazer prestações como FGTS e auxílio-creche, por enquanto pendentes de regulamentação, já que a família não visa o lucro e tem objetivos diferentes dos empresariais.
Gostaria de acreditar em outras possibilidades, crer no ideal de que as pessoas venham a realizar suas escolhas a partir de uma educação de qualidade, com aquisição de capacidade profissional compatível com o emprego desejado, adquirindo, consequentemente, melhores salários. Por enquanto, infelizmente, minha previsão é: aumento do desemprego, burla à lei e o caça-níqueis do governo funcionado a pleno vapor.
Oxalá que João do Rio tenha se atrasado cem anos e, em outros dez, realmente não tenhamos “criadas” no Brasil, mas a real valorização de todos os tipos de trabalho.
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