Aquela livraria
Saí do trabalho e atravessei a baía, o que costumo fazer quando quero me atualizar culturalmente, mas não sem antes ligar para o querido livreiro Carlos, pedindo-lhe que separasse as novidades literárias para mim. Então, fui ao lugar onde sempre me senti em casa, a Livraria da Travessa – Ouvidor.
Sentei junto à mesa de costume e o Carlinhos veio com uma pilha de livros recém-lançados. Pedi café, água mineral e comecei a folheá-los, cuidadosamente, separando os que levaria e anotando os títulos dos que encomendaria pelo site, enfim, feliz entre meus brinquedos favoritos.
O Carlos se aproximou com um ar grave e disse: “sabia que vai fechar?” Heim? Como assim? “É difícil manter uma livraria para vender obras de editoras específicas, de universidades. É melhor vender esses livros junto aos best-sellers, na livraria maior, da Sete de Setembro. Há também a concorrência com a Cultura...” Gelei, entristeci, murchei.
Imediatamente, as reminiscências dos quase quinze anos naquele lugar invadiram a mente. Os almoços, os amigos do Rio, os livreiros que me atenderam maravilhosamente durante esse tempo, enviando sacolas de livros para que eu analisasse com calma, nas horas vagas do trabalho; mandando entregar os presentes que comprava para os amigos, e até livros em minha casa chegavam, via moto-boy, quando passei a trabalhar do outro lado da boca banguela.
Quando triste, ia à Travessa buscar conforto. Quando feliz, tomava vinho durante o almoço ou cerveja, depois de um dia entre processos judiciais tediosos, pra lavar a alma e encher a mente de poesia. Lá assisti pequenos shows de música e palestras, conheci Luiz Alfredo Garcia-Roza, com quem tive o prazer de conversar e fui apresentada às obras de Marçal Aquino (Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios), Carlson McCullers (O coração é um caçador solitário), Coetzee (Desonra), Ian Mcewan (Reparação), João do Rio (A alma encantadora das ruas),Sándor Márai (As brasas), João Antônio(Malaguetas, perus e bacanaços) e tantos outros. Lá aprendi mais sobre literatura contemporânea que na faculdade de Letras.
Quando as minhas filhas cresceram um pouco, levei-as para conhecer a livraria. Ganharam livros infantis, saborearam o inesquecível risoto da Brasserie Rosário, que ainda funciona no local, mas, feliz ou infelizmente, só até o dia 29/05/2013.
É estranho quando param de fabricar seu perfume preferido, afinal, as pessoas passam a lhe reconhecer por aquele aroma peculiar, como aconteceu com o Arbo da Boticário, que fixava melhor em mim que qualquer importado. É ruim quando fecham seu restaurante preferido, onde tantas datas especiais foram comemoradas, onde os garçons lhe chamam pelo nome, como se deu com a Trattoria Torna para que um fast-food pudesse ser inaugurado. É pior quando sua livraria favorita, intimista, encerra as atividades e um dos motivos é a concorrência com uma mega-store.
Sinal dos tempos. Ciclos que se encerram, o que é natural e faz parte da vida. Mas, ficam as lembranças e com elas saudade e nostalgia, dessas “que botam a gente comovido como o diabo".
Christiane Reis