Azul-Corvo, lançamento da escritora Adriana Lisboa pela Rocco (219 páginas), vem após a publicação de outros romances de igual importância, como Beijo de Colombina, Sinfonia e Branco e Rakushisha. A autora escreveu também a novela O coração às vezes para de bater, os contos de Caligrafias e livros infantis, como Língua de Trapo.
Em Azul-Corvo Adriana conta a história de Evangelina, a Vanja, que aos treze anos, após o falecimento da mãe, Suzana, parte para o Colorado a procura do seu pai biológico, Daniel. Para tanto, ela conta com a ajuda de Fernando, ex-marido da sua mãe e homem que a registrou, e de um simpático menino salvadorenho, Carlos.
Vanja parte em busca das suas origens. “Essa foi minha árvore genealógica até os treze anos de idade. Um homem e quatro mulheres em três gerações. Aritmética esquisita, amarrada como lenços coloridos dentro da cartola de um mágico. Uma árvore genealógica a qual faltavam raízes e que em lugar de certos galhos tinha apenas gestos meio vagos, indicações, sugestões, deixa-pra-lás.”
Ao chegar aos Estados Unidos, Vanja trava contato com Fernando e suas memórias, começa a conhecer a história recente do Brasil, a época da ditadura militar, do PC do B e das ações dos guerrilheiros no Araguaia. O romance é entremeado pelos momentos que seu pai legal viveu na China e no Pará, enfrentando o Exército Brasileiro pela causa comunista. “Olho para os meus braços sem cicatrizes e penso cortes e penso choques elétricos. E me pergunto como as vidas viradas ao avesso reencontram o seu direito.”
Inexiste uma linearidade, o passado ressurge a cada instante. O presente vem à tona e resta uma curiosidade acerca daquele momento incompleto. O que teria acontecido em seguida? A narradora volta e complementa o texto relativo ao período iniciado anteriormente, saciando o leitor.
Para Vanja, “O futuro era (e é, e sempre será) móvel, fruto de bifurcações em progressão geométrica, e fazer planos, (...) um cacoete de constrangedora inutilidade”.
Carlos acompanha Vanja em sua trajetória em busca do pai, e vai amadurecendo, principalmente com a experiência de uma viagem que ambos fazem com Fernando ao Novo México. Ela observa: “Naquele momento, ele cresceu um pouco mais, confirmando minha teoria de que era assim que as coisas se davam, em surtos, em espasmos, e não numa continuidade aritmética. Todas as metáforas para o crescimento – degraus de uma escada, estradas com curvas aqui e ali – eram pura balela. Tudo acontecia mesmo aos trancos.”
Outras personagens vão surgindo e desaparecendo durante a narrativa (“Éramos um mundo de compatibilidades, estávamos irmanados, nos equivalíamos, nos compensávamos.”), para tecer a trama, preencher e costurar a história a partir de momentos vivenciados pela mãe de Vanja, levando-a, muitas vezes, a reviver sua primeira infância. “É preciso tapar os buracos da memória com a estopa que se dispõe”.
Adriana pode ser considerada uma narradora pós-moderna, pois ao escrever não relata uma experiência que tenha vivenciado - proporcionando um intercâmbio de experiências - ou age com o objetivo de falar de maneira exemplar ao seu leitor. Não tem a visão de um jornalista que tenha assistido aos fatos, nem a do romancista que escreve de maneira paradigmática. Ela o faz puramente como ficcionista, dando autenticidade a uma ação que não tem respaldo na vivência, mas advém da verossimilhança. Ela vê o “real” e o “autêntico” como construções da linguagem.
Com a orelha de Luiz Ruffato - e segundo ele – o livro termina quando a vida de Vanja realmente começa, ou seja, quando ela passa a ocupar um espaço próprio no mundo.
Azul-Corvo, cor das conchas que Vanja gostava de pegar na praia de Copacabana.
CHRISTIANE REIS
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