sexta-feira, abril 12, 2013

PAPO DE MULHER...

Caminhava à toa pelo centro da cidade, quando lembrei que a grafite 0,3, além de outros artigos de escritório, estavam no fim. Segui para a Papelaria União e dei início à escolha dos meus objetos, toda feliz, pois amo livrarias e lojas do gênero. Simplesmente, esqueço da vida entre clipes coloridos, cartões, canetas, lápis e coisinhas para enfeitar a mesa de trabalho.
Sou uma arquiteta que projeta interiores e adora escrever. Tenho um blog e viciei nas redes sociais. Então, pra variar, estava com os ouvidos abertos às conversas alheias, observando pessoas, roupas, sapatos, enfim, percebendo tudo à minha volta pra poder postar no Face e rir dos comentários. Que futilidade! Vocês podem pensar, mas me distraio com isso. É bom pra arejar as ideias.
Quando passava pela estante de canetinhas coloridas, ouvi duas mulheres que pareciam amigas desde o tempo de escola, batendo papo despreocupadamente e com as respectivas cestinhas cheias das mesmas coisas que eu gosto.
Val, você ainda tem meu telefone? Não? Anota aí: 92355667. Ok. Coloquei na agenda do celular, mas confere se eu digitei certo, porque de perto não enxergo nada. A amiga pega o iphone da Val, estica o braço e diz que também não consegue ver, porque é míope, está usando lentes de contato e esqueceu os óculos de leitura em casa. Já sei! Vou ligar pra você now. Se tocar, aproveita e salva o meu número. Tá chamando. Beleza, vou gravar. As duas, que deviam ter entre quarenta e quarenta e cinco anos, morreram de rir e continuaram a conversa.
- Menina, eu tive dengue, fiquei arriada por uns dez dias. A pele ainda está sensível e nem pude pintar os cabelos. A gente, que tem cabelo escuro, fica logo com os brancos aparecendo. Meu sobrinho olhou de cima e falou: “tia, está horrível! Eu não ia querer casar com uma mulher assim”. É mole?
- Não, é um saco! Ir ao salão passar tonalizante, no mínimo uma vez por mês, fazer as unhas, sobrancelhas, depilação... Ninguém merece.
- É, a idade é uma merda. Estou usando, diariamente, colírio lubrificante, por causa das lentes, spray nasal, pra lavar as narinas e melhorar a rinite, sem falar no hidratante nas mãos, porque o ar-condicionado do escritório resseca tudo e transforma a pele num craquelê.
- Ah, Lurdinha, nem reclamo mais, porque uma colega de trabalho está entrando na menopausa e contou que o KY se transformou em seu melhor amigo...
Papo bom à beça! Se fosse num bar, sentaria pertinho, tomando chope, com os olhos displicentes sobrevoando o lugar. Mas, eu precisava terminar de comprar o material e, antes de ser notada, sair logo de trás da estante (Não de dentro do armário, por enquanto, afinal, nessa feliciana fase, pós declaração de amor entre baianas, tudo é possível). Maravilha:.já tinha assunto bastante para escrever no blog, postar no Face e, o melhor, sem precisar inventar.

quarta-feira, abril 10, 2013

PAPEL A4

Folha em branco. Despertei com ela em meu pensamento, enquanto ainda me preparava para existir e era tomada por um desassossego típico de Pessoa. Escrever, naquela manhã, não seria prazeroso, pois havia se tornado parte de um ofício e não mais uma necessidade da alma inquieta.
Busquei lembranças, pensei em leituras e poetas. Cheguei mesmo a imaginar um bonde tendo como passageiro o homem atrás dos óculos e do bigode. Nada me vinha à mente. Então, revi fatos do cotidiano, vividos a caminho do trabalho, mas nenhum deles foi capaz de me fazer encontrar palavras que se casassem e pudessem cumprir plenamente sua função, quando deitadas sobre a página de um jornal.
Como num exercício de disciplina, tomei papel, caneta e tinteiro, debrucei-me sobre a mesa e pensando no que diria aos leitores, decidi beber da fonte de João do Rio e – para o meu deleite – encontrei a crônica “A crise dos criados”, texto publicado entre de 1905 e 1910, quando sua previsão era a de que em dez anos talvez não existissem mais criadas no Rio de Janeiro.
Mais de um século se passou e não só há domésticas como foi aprovada uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) assegurando a elas os direitos antes previstos apenas para outras categorias. Entretanto, a tendência é a de que, como já se deu em diferentes países, venhamos a ter diaristas bem remuneradas e utensílios que facilitem a vida no lar, pois os empregadores terão cada vez menos condições de satisfazer prestações como FGTS e auxílio-creche, por enquanto pendentes de regulamentação, já que a família não visa o lucro e tem objetivos diferentes dos empresariais.
Gostaria de acreditar em outras possibilidades, crer no ideal de que as pessoas venham a realizar suas escolhas a partir de uma educação de qualidade, com aquisição de capacidade profissional compatível com o emprego desejado, adquirindo, consequentemente, melhores salários. Por enquanto, infelizmente, minha previsão é: aumento do desemprego, burla à lei e o caça-níqueis do governo funcionado a pleno vapor.
Oxalá que João do Rio tenha se atrasado cem anos e, em outros dez, realmente não tenhamos “criadas” no Brasil, mas a real valorização de todos os tipos de trabalho.