quarta-feira, junho 07, 2006

“Ode descontínua e remota para flauta e oboé – de Ariana para Dionísio”






Hilst e Baleiro – o noviciado de uma parceria literomusical
Marcio Paschoal

Em tempos de vendedores de flores ensinando amores a seus filhos, chega a ser um sopro de esperança a chegada ao mercado de “Ode descontínua e remota para flauta e oboé – de Ariana para Dionísio”, reunindo dez poemas do livro “Júbilo, memória, noviciado da paixão”, de Hilda Hilst, e musicados por seu amigo e admirador Zeca Baleiro.

O disco inaugura o selo Saravá (junto com o CD póstumo de Sergio Sampaio “Cruel”). O projeto de Zeca musicar a autora de “Contos d`Escárnio” vem desde quando, na condição de fã, ele lhe mandou seu disco de estréia. Na época, Hilda comentava com ele, num misto de sinceridade e ironia, que literatura não dava camisa a ninguém, e que estava cansada de ter só prestígio. Era o sinal para o início da parceria.

Foram dois anos de gravações, calmas, sem afobações de cumprimentos de prazos, e o resultado pode ser logo pressentido nos arranjos simples e flertando com a atmosfera medieval, antevista por Baleiro no cerne da poesia de Hilda. Os poemas são pautados nas alegorias de entrega apaixonada da personagem principal por Dionísio.

Zeca veio a descobrir serem esses poemas meio autobiográficos, ou seja, uma paixão profunda da escritora, camuflada em seu alter ego Ariana. As dez intérpretes do disco dispensam apresentações e mais detalhes: Rita Ribeiro, Verônica Sabino, Bethânia, Jussara Silveira, Ângela Ro Ro; Ná Ozzetti; Zélia Duncan; Olívia Byington, Mônica Salmaso e Angela Maria. Rita abre o disco com categoria; Ângela Ro Ro está ótima, com seu timbre mais grave; Ná Ozzetti à vontade nos agudos; Verônica, Olívia, Monica e Jussara confirmam o que delas se espera; Zélia Duncan tem a melhor música (Canção VII); Bethânia cumpre tabela e a Sapoti Ângela Maria parece um tanto destoante das demais, como se não emprestasse sua voz às canções, e sim ao contrário.

A parte musical tem fino trato nos arranjos delicados e competentes. Carlos Ernest nos sopros descontínuos e remotos, e Zeca ao lado de Swami Jr nos arranjos de base. O time de músicos deixaria qualquer Ariana feliz e entregue: Tuco Marcondes, Benjamim Taubkin, Zeca Assumpção, Toninho Ferragutti, Jaime Alem, entre outros.

“Ode descontínua e remota para flauta e oboé” é o resultado de um projeto bolado e tocado com mais emoção que outras empreitadas movidas pelo despotismo do mercado. Noblesse e l´argent, comme il faut. Um disco independente e lúcido, que, antes de soar a uma quixotada bem-vinda, pontua a carreira deste maranhense que prima pela oportunidade saudável de surpreender.

De Arari e das esquinas do mundo para as poéticas planícies do planeta Marduk. Como Hilda gostaria.

Suei para conseguir o cd, mas valeu a pena! Essa obra prima, assim como o Carioca do Chico têm sido presentes para os meus ouvidos.

Um comentário:

Anônimo disse...

O Chico tá rodando direto aqui em casa, o Caio não pára de ouvir e ainda foi atrás dos outros Cds. Fica cantando no chuveiro as músicas que eu amo... agora, depois que você ouvir bastante, me empresta essa maravilha Hilst? Quando vai ter chope?