Estava lendo o blog de uma amiga querida (Elo Primitivo, link ao lado), quando encontrei um post que eu mesma gostaria de ter escrito (Encontros.!.). Ela narra o que acontece no aeroporto, antes do início das suas viagens: encontros nas livrarias! Fiquei espantada, pois parecia a minha própria história.
Eu também levo ao menos um livro na bagagem de mão. Tinha ao meu fácil alcance Gabriela (Jorge Amado), além de O Ididiota (Dostoievski), na mala. Não satisfeita fui à La Selva em busca de novidades e trouxe comigo a Bravo, revistas em quadrinhos para as meninas e o Saga Lusa da Adriana Calcanhotto. Assim, deixei o Jorge de lado para ficar com a Adriana no avião e em Porto de Galinhas, onde terminei o livro.
Ao ler Saga Lusa, a minha vontade era poder ter dito à autora, enquanto ela passava por sua bad trip: Amiga (a essa altura já estávamos íntimas), quer um olcadil ou prefere um frontal? Não precisa ser “no rabinho”, os comprimidos já interrompem a onda... Mas, só soube do fato quando já havia terminado.
À semelhança do que aconteceu comigo há cerca de dez anos (pânico), a A. Cacanhotto não queria tomar ansiolíticos, nem um passiflorine sequer, então, acabou ficando cara a cara com a Coisa durante um bom tempo... Deve ter sido barra muito pesada... Acho que esse foi motivo que me fez deixar a Gabriela de lado: identidade com o sofrimento alheio. Senti medo durante a leitura, medo da Coisa voltar. Mas, enfrentei-a e consegui chegar ao final sem maiores consequências. Ufa!
Voltando ao blog da Sabine, vi no mesmo post a indicação do livro A tecelã de sonhos, e pensei: se ela gostou tanto é bem provável que eu vá gostar também, já que não houve uma dica do Elo Primitivo que não valesse a pena. Então, encomendei-o via internet, já que tem havido uma boa variação de preços entre a Travessa (meu vício) e seu próprio site, além do Submarino e Americanas. Uma pena, pois adoro tocar o livro, senti-lo e levá-lo comigo, já saboreando-o na barca até colocá-lo sobre a mesinha de cabeceira, na pilha de espera.
Mais que tudo – músicas, fotografias, vinhos e cervejas – a literatura faz-se presente em minha vida: histórias entremeando a minha; autores que se transformaram em amigos, sem que me tenham sido apresentados; lembranças de viagens somadas a livros; fases e os livros que me acompanharam, enfim, é a palavra escrita o tempo inteiro ao meu lado, emocionando, fazendo rir, chorar e amar. AMO OS LIVROS!!!
adj. s.m. FARM 1 que ou o que combate os efeitos de uma toxina ou veneno (diz-se de substância, medicamento, soro). s.m. 2 p.ext. o que evita ou corrige (vício, defeito, estado de depressão psicológica, paixão etc.); corretivo, remédio. ETIM lat. antidôtum,i'id.', do gr. antidoton, ou 'id'. Dicionário Houaiss
sexta-feira, abril 24, 2009
terça-feira, abril 21, 2009
SAGA LUSA - O RELATO DE UMA VIAGEM (ADRIANA CALCANHOTTO)
“Saga lusa : todo mundo tem seu dia de panda Com bom humor, em linguagem fluente, Adriana Calcanhotto narra as agruras de viver um surto, acidentalmente induzido pela mistura de medicamentos
O livro de estréia da cantora e compositora Adriana Calcanhotto, Saga lusa é o relato de uma (dupla) viagem: uma bad trip medicamentosa – efeito de uma mistura de remédios para a gripe com a cortisona de uso contínuo – ocorrida durante uma turnê em Portugal. Além dos sintomas da gripe propriamente dita (tosse, febre, rouquidão), o inferno de Adriana incluiu alucinações, medos intensos, agitação, crises de riso e choro, perda da fluência da fala e uma insônia persistente, só entrecortada por horríveis pesadelos. O inevitável cancelamento de shows e entrevistas acrescentou ainda mais angústia ao quadro, compreensivelmente vivido pela artista como um desastre em termos pessoais e profissionais.
Tal episódio pareceria sob medida para gerar uma narrativa sombria, fortemente egocentrada e carregada de autocomiseração. Mas acontece justo o oposto: conforme o dito popular evocado pelo psiquiatra na contracapa, Saga lusa é um ótimo exemplo da difícil arte de transformar o azedume do limão em deliciosa limonada. Adriana se revela dona de uma prosa fluente e coloquial, hábil em acompanhar o fluxo de pensamento e que tem no uso do humor e da auto-ironia seus traços mais marcantes.
O surto foi carinhosamente apelidado de “a Coisa”, ótima designação para isso que, sem nome, invade e ocupa o eu. O estranhamento de si prossegue no encontro com a imagem insone no espelho: com enormes olheiras, Adriana percorre sua saga acompanhada pela exótica figura do “urso panda disfarçado de cantora gaúcha”. Os capítulos em que conta como padeceu com a língua enrolada são dignos de figurar em uma antologia de humor. Convenhamos que a capacidade de rir de si mesma em uma situação dramática não é para qualquer um... Talvez a longa trajetória de psicanálise pessoal – mais de uma década – tenha algo a ver com isso (e também, é claro, com a possibilidade de escrever o livro).
E olhem que o limão era realmente azedo! O fato de ser uma intoxicação forte, inesperada e resistente a intervenções medicamentosas, assim como a circunstância de ocorrer em um país estrangeiro (quando se está literalmente em trânsito e sem a referência da rotina) decerto são fatores agravantes da situação. É de se perguntar como teria sido “a Coisa” – duração, intensidade, colorido afetivo – caso tivesse ocorrido em casa, sem a pressão de compromissos profissionais e na ronronante companhia da gata Bong Lé. É de cogitar, até mesmo, se um surto “doméstico” teria originado um produto como este livro. Por outro lado, não se trata de qualquer país – é Portugal, nação camonóloga – cuja estranha familiaridade conosco, sobretudo no que se refere ao idioma, talvez tenha contribuído para essa imersão lúdica na linguagem. Afinal, não é todo dia que se almoça um “prego”, que se está cercado por atendentes “giros” ou que o farmacêutico propõe um “Diazepam no rabinho”.”
"Voltei do segundo show pálida, trêmula, mas mantendo a pose no meu deslumbrante robe azul. Subi no elevador com uns africanos que se entreolhavam, tentando localizar de que tribo são as senhoras que andam de robe de veludo e havaianas, com uma braçada de flores na mão e olheiras que as fazem parecer um urso panda disfarçado de cantora – vestida e com a maquiagem borrada pela ex-mulher do Gerald Thomas. Eu tremia de frio, mas sorri, claro, pros africanos. Tomei um banho quentíssimo, durante longos minutos porque, pra mim, esta é a melhor hora dos shows e porque precisava me aquecer e não conseguia. Um urso panda certamente não se enganaria, mas eu, até então, não tinha me dado conta de que estava ardendo em febre e que um banho pelando não ajudaria muito, sabe que o QI das cantoras..."
“Acordo de (mais) um pesadelo, em prantos, banhada de suor, sentindo um cheiro insuportável dentro do nariz, não de fora, nas narinas secas, arrepios pelo corpo. Vou pro espelho esperando ver um urso panda em trajes psicodélicos, e minhas pupilas são agora dois pires de tão dilatadas. Caralho, e agora?”.
"Lembrei que diz-se que para cada sentimento humano, para cada mais sutil sensação, para cada situação possível nesta vida, já há uma música correspondente no cancioneiro brasileiro. Pensei nisso porque me veio à cabeça uma canção mais antiga, e era incrível como se encaixava perfeitamente e traduzia (sem perdas) o meu estado naquele momento. No dia seguinte, no segundo show do Porto, como sou interprete de forte inclinação existencialista, incluí no alinhamento a bela melodia dizendo “eu queria tanto estar/ no escuro do meu quarto/ à meia-noite, à meia-luz, sonhando/ daria tudo por meu mundo e nada mais”. Cantei-a no bis e foi muito bonito, modéstia à parte, bastante emocionado. Precisava, literalmente, cantar para subir e “Meu mundo e nada mais”, do Guilherme Arantes, caiu feito uma luva."
DICA DE LEITURA: A CHAVE DE CASA (TATIANA SALEM LEVY)
"ESCREVO COM AS MÃOS ATADAS. NA CONCRETUDE IMÓVEL DO MEU QUARTO, DE ONDE NÃO SAIO HÁ LONGO TEMPO. ESCREVO SEM PODER ESCREVER E: POR ISSO ESCREVO. DE RESTO, NÃO SABERIA O QUE FAZER COM ESTE CORPO QUE, DESDE A SUA CHEGADA AO MUNDO,NÃO CONSEGUE SAIR DO LUGAR. (...) NASCI COM CHEIRO DE TERRA ÚMIDA, O BAFO DE TEMPOS ANTIGOS SOBRE O MEU DORSO.(...) NUNCA FALO SOZINHA, FALO NA COMPANHIA DESSE SOPRO QUE ME SEGUE DESDE O PRIMEIRO DIA."
"SERÁ QUE ENCONTRARIA A CASA DOS MEUS ANTEPASSADOS? QUE A CHAVE AINDA SERIA A MESMA? EU TENTAVA ACREDITAR NESSA HISTÓRIA QUE TINHA INVENTADO PARA MIM MESMA, NESSA HISTÓRIA QUE AINDA INVENTO E QUE É A ÚNICA CAPAZ DE ME DAR ALGUMA RESPOSTA. NESSA HISTÓRIA QUE PODE SER A MAIS DESCABIDA, MAS TAMBÉM A MAIS REAL. NÃO SEI ATÉ QUE PONTO SÃO VERDADEIRAS AS HISTÓRIAS DO MEU AVÔ, ATÉ QUE PONTO É VERDADEIRO O QUE VIVO AGORA. NEM MESMO SEI SE É VERDADEIRA A MINHA VIAGEM. PARECE QUE QUANTO MAIS ME APROXIMO DOS FATOS, MAIS ME AFASTO DA VERDADE."
Cheguei ao fim de mais um livro: “A chave de Casa”, de Tatiana Salem Levy. Indicaram-me a obra e lá fui eu correndo à livraria comprá-la. Não haveria tempo para que esta chegasse por encomenda ao Submarino, ou melhor, eu não sentia a menor vontade de esperar.
As palavras da Tatiana foram me capturando, a cada frase, a cada curto capítulo. Senti a dor da perda, o desejo e a frustração da personagem/autora. Trata-se, realmente, de um livro sensorial, como bem o definiu Cintia Moscovich, na orelha.
A jovem autora não fica somente na superfície da trama, mas adentra a narrativa e parece viver a própria obra. Escrever somente, para ela, seria muito pouco. Então, não me restou outra alternativa a não ser vivê-la também: passeei pelas ruas de Istambul, tomei um banho turco e conheci sua família em Esmirna. Não menciono aqui o que nos aconteceu em Portugal, pois quebraria o suspense para quem ainda não conhece a história, só digo que fiquei com muita vontade de ir à Lisboa de Camões e Pessoa, respirar ares ancestrais e provar os doces típicos daquela capital.
Há algum tempo não lia um livro tão envolvente. Adorei!
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