quarta-feira, agosto 12, 2009

O FILHO DA MÃE (1ª POSTAGEM)



Bernardo Carvalho recorre a trama "operística" para abordar amor
EDUARDO SIMÕES
da Folha de S.Paulo

Em 2007, durante o mês que passou em São Petersburgo para escrever uma história de amor sob encomenda do projeto "Amores Expressos", o escritor Bernardo Carvalho descobriu um romance russo, de fortes tintas melodramáticas, que acabou ecoando em seu recém-lançado "O Filho da Mãe". Leia mais.

À época, uma adaptação do tal livro --"Vida e Destino", de Vassili Grossman (1905-1964)-- estava em cartaz na cidade russa. Como não havia legendas, Carvalho não viu a peça, mas acabou achando uma edição do livro em espanhol, na feira do livro de Santiago, no Chile, após sua volta ao Brasil.

O enredo de Grossman -que fala, entre outras coisas, de uma mãe forçada a despedir-se do filho e do amor de uma jovem, em meio à Segunda Guerra- guardava coincidências com a trama que Carvalho tinha em mente: uma história de amor (aqui, entre dois homens) e uma reflexão sobre o amor maternal e sua relação com a guerra, inspiração que o autor teve quando, em suas pesquisas, soube do Comitê das Mães dos Soldados, que ajuda jovens enviados à Tchechênia.

O sentimentalismo de Grossman, que pairava como um fantasma sobre Carvalho, ganhou força no livro com a opção por um narrador na terceira pessoa, novidade em sua obra: "Permitiu-me não estar em personagem nenhum e descrever seus sentimentos como coisas externas", conta o autor, que buscou uma organização de enredo que fosse "operística", apesar da escrita "seca".

"A trama vai se desenvolvendo até estourar em uma espécie de desenlace trágico. Quase imagino um negócio cantado."

Antes mesmo de chegar à Rússia, Carvalho já sabia que, por conhecer pouco o país, queria um olhar estrangeiro --Ruslan, um dos protagonistas, é do Cáucaso, e o outro, Andrei, filho de uma russa com um brasileiro. No pano de fundo, a festa, em 2003, dos 300 anos de São Petersburgo, cidade "nascida de um projeto iluminista" que contrasta com a "desrazão da guerra no Cáucaso".

O desamparo dos personagens ganhou muito (mais) da subjetividade do próprio escritor quando ele, em seu terceiro dia na cidade, sofreu uma tentativa de assalto. "Foi uma espécie de trauma fundamental. Tomei consciência do estado de vulnerabilidade do indivíduo sozinho. A ideia da solidão absoluta, num lugar inóspito, permitiu-me a construção dos dois que, quando juntos, não chamam mais a atenção."

O outro ponto pacífico do romance era a relação entre dois homens, tema recorrente em sua obra. Carvalho, porém, ressalta que não quer ser conhecido como escritor gay. "A literatura é a possibilidade de escapar de um lugar no mundo, que é humano e restrito. Nenhum livro meu deixa de ter relação homossexual. Mas não quero o rótulo. Se você o aceita, funciona mercadalogicamente. Não sei se explodiria, até mesmo porque gay não lê. O meio gay não é especialmente letrado. Serei assassinado por dizer isso", afirma, melodramático.

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