adj. s.m. FARM 1 que ou o que combate os efeitos de uma toxina ou veneno (diz-se de substância, medicamento, soro). s.m. 2 p.ext. o que evita ou corrige (vício, defeito, estado de depressão psicológica, paixão etc.); corretivo, remédio. ETIM lat. antidôtum,i'id.', do gr. antidoton, ou 'id'. Dicionário Houaiss
segunda-feira, dezembro 28, 2009
MODERNISMO
Estudando o MODERNISMO com Cristiane Brasileiro,na Estácio,senti vontade de mergulhar no tema. Li bastante e para "ilustrar" o que estava descobrindo assisti à minissérie "Um só coração". Foi ótimo! Maria Adelaide Amaral encontrou atores muito semelhantes a Mário de Andrade e Oswald Andrade, por exemplo. Através da vida de Yolanda Penteado foi contada a história da cidade de São Paulo, a partir da década de 1920. A Semana de Arte Moderna (1922) foi retratada de forma impecável. Adorei!
Lendo...
"Yoani Sánchez escreve um dos blogs mais visitados do mundo, Generación Y, com vários milhões de acessos mensais, mas quase não consegue ser lida em Cuba, onde mora com seu marido Reinaldo Escobar e seu filho adolescente Teo. Quando eleita pela revista Time uma das mulheres mais influentes do mundo, ou quando recebeu o prêmio Ortega y Gasset, seus feitos não foram registrados, muito menos festejados pelo governo cubano. Mas ela não escreve sobre política.
De Cuba, com carinho é um belo livro que narra a vida cotidiana de quem vive na ilha, sofre com a decadência da economia cubana, mas ama seu país. Alguém que não deseja que conquistas obtidas nas últimas décadas sejam jogadas fora, mas acha que o regime envelheceu junto com seus dirigentes. E conta tudo isso em textos cheios de vida, humor e certo amargor, mas muita esperança."
De Cuba, com carinho é um belo livro que narra a vida cotidiana de quem vive na ilha, sofre com a decadência da economia cubana, mas ama seu país. Alguém que não deseja que conquistas obtidas nas últimas décadas sejam jogadas fora, mas acha que o regime envelheceu junto com seus dirigentes. E conta tudo isso em textos cheios de vida, humor e certo amargor, mas muita esperança."
DIRETO DO BLOG DO PROFESSOR CLÁUDIO CEZAR HENRIQUES
É TEMPO DE METÁFORAS
"Que a linguagem nos oferece motivos de sobra para discussões e especulações não é novidade para ninguém. Vivemos em torno dessa inesgotável forma de expressão, a um tempo ilimitada para nos servir em nossa necessidade de dizer e de não dizer o que pensamos e queremos, mas também – paradoxal que seja – insuficiente para dar conta de toda a complexidade de nossa natureza de seres pensantes instáveis, contraditórios e eternamente insatisfeitos – ou não.
Uma lata existe para conter algo. Mas, quando o poeta diz "lata", pode estar querendo dizer o incontível. Gilberto Gil, em versos simples (seriam simples?), refere-se a uma figura de linguagem velha conhecida, dessas que nos acompanham em nossas tentativas de comunicação com nossos semelhantes. Eu, como ele, referimo-nos à metáfora...
Abrindo qualquer jornal, de qualquer dia, lá está ela – viva, presente, divulgada. Pode ser uma metaforazinha corriqueira, tipo "chuva de pedras" (numa notícia que fala de jovens palestinos atirando pedras em escavadeira israelense), "o santuário da Amazônia" (em reportagem sobre declaração do presidente ao inaugurar gasoduto no Amazonas), "feirão de jogadores" (em matéria sobre evento futebolístico reunindo empresários interessados na contratação de atletas).
No entanto, a metáfora é uma forma de expressão que também pode ser original – e daí se explica a "lata" do poeta contendo o incontível. Quando vemos, por exemplo, na imprensa um artigo cujo título é "A linguiça democrática", é preciso ler o texto todo para compreender que o articulista estava, na verdade, comparando as sutilezas do regime democrático com a inusitada decisão de uma fábrica de automóveis alemã, que passou a produzir mais linguiças do que carros.
Observem na publicidade, nas letras de música e em nossa literatura como a criatividade dá conta desse recurso expressivo. Jornalistas, escritores, políticos, esportistas e artistas, todos praticam e divulgam metáforas, mas o mesmo fazem nossos amigos, vizinhos, parentes e colegas de trabalho. Estamos cercados pelas metáforas – eis aí mais uma, explorando a relação de similaridade entre elas (as metáforas) e as cercas, como se estivéssemos confinados num espaço dominado por elas, as poderosas metáforas. Nesse caso então, se estamos rodeados de metáforas por todos os lados, então façamos outra e nos vejamos numa ilha imaginária em pleno oceano metafórico.
É um tempo tão rico de metáforas – mas certamente não é o primeiro – que até o que não é metáfora quer às vezes receber o status retórico. Nesse caso, fiquemos atentos, pois tudo corre o risco de não querer dizer literalmente o que diz. "A gasolina vai subir dez por cento" seria uma metáfora? "Ministério público investiga suspeita de fraude" na verdade seria a transposição de quê? Quando o treinador fala "ficou parado, chuta o tornozelo dele", devemos pensar que ele só fez uma metáfora, sem nenhuma apologia à violência?
Por isso, o estudo e a observação dos textos, orais e escritos, de qualquer modalidade e registro são matéria rica para uma reflexão crítica. O leitor precisa estar atento e ser experto – isso mesmo, com X – para não ser envolvido pelas artimanhas do redator ou do orador. A não ser que assim o deseje, por opção consciente e deliberada.
Mostram os livros que o primeiro registro por escrito da palavra metáfora em nossa língua ocorreu no século XIV, mas o termo é de origem grega. Reconheçamos, pois, que durante esse tempo todo muito pouco deveria ter sobrado para a inventividade humana produzir metáforas.
Há quem ache que sim; há quem ache que não. Pelo sim, pelo não, cantemos a metáfora e, parodiando o compositor popular, entoemos a ela um hino de fogo e paixão: Você é luz, é raio, estrela e luar, manhã de sol, meu iaiá, meu ioiô..."
http://blogclaudiocezarhenriques.blogspot.com
"Que a linguagem nos oferece motivos de sobra para discussões e especulações não é novidade para ninguém. Vivemos em torno dessa inesgotável forma de expressão, a um tempo ilimitada para nos servir em nossa necessidade de dizer e de não dizer o que pensamos e queremos, mas também – paradoxal que seja – insuficiente para dar conta de toda a complexidade de nossa natureza de seres pensantes instáveis, contraditórios e eternamente insatisfeitos – ou não.
Uma lata existe para conter algo. Mas, quando o poeta diz "lata", pode estar querendo dizer o incontível. Gilberto Gil, em versos simples (seriam simples?), refere-se a uma figura de linguagem velha conhecida, dessas que nos acompanham em nossas tentativas de comunicação com nossos semelhantes. Eu, como ele, referimo-nos à metáfora...
Abrindo qualquer jornal, de qualquer dia, lá está ela – viva, presente, divulgada. Pode ser uma metaforazinha corriqueira, tipo "chuva de pedras" (numa notícia que fala de jovens palestinos atirando pedras em escavadeira israelense), "o santuário da Amazônia" (em reportagem sobre declaração do presidente ao inaugurar gasoduto no Amazonas), "feirão de jogadores" (em matéria sobre evento futebolístico reunindo empresários interessados na contratação de atletas).
No entanto, a metáfora é uma forma de expressão que também pode ser original – e daí se explica a "lata" do poeta contendo o incontível. Quando vemos, por exemplo, na imprensa um artigo cujo título é "A linguiça democrática", é preciso ler o texto todo para compreender que o articulista estava, na verdade, comparando as sutilezas do regime democrático com a inusitada decisão de uma fábrica de automóveis alemã, que passou a produzir mais linguiças do que carros.
Observem na publicidade, nas letras de música e em nossa literatura como a criatividade dá conta desse recurso expressivo. Jornalistas, escritores, políticos, esportistas e artistas, todos praticam e divulgam metáforas, mas o mesmo fazem nossos amigos, vizinhos, parentes e colegas de trabalho. Estamos cercados pelas metáforas – eis aí mais uma, explorando a relação de similaridade entre elas (as metáforas) e as cercas, como se estivéssemos confinados num espaço dominado por elas, as poderosas metáforas. Nesse caso então, se estamos rodeados de metáforas por todos os lados, então façamos outra e nos vejamos numa ilha imaginária em pleno oceano metafórico.
É um tempo tão rico de metáforas – mas certamente não é o primeiro – que até o que não é metáfora quer às vezes receber o status retórico. Nesse caso, fiquemos atentos, pois tudo corre o risco de não querer dizer literalmente o que diz. "A gasolina vai subir dez por cento" seria uma metáfora? "Ministério público investiga suspeita de fraude" na verdade seria a transposição de quê? Quando o treinador fala "ficou parado, chuta o tornozelo dele", devemos pensar que ele só fez uma metáfora, sem nenhuma apologia à violência?
Por isso, o estudo e a observação dos textos, orais e escritos, de qualquer modalidade e registro são matéria rica para uma reflexão crítica. O leitor precisa estar atento e ser experto – isso mesmo, com X – para não ser envolvido pelas artimanhas do redator ou do orador. A não ser que assim o deseje, por opção consciente e deliberada.
Mostram os livros que o primeiro registro por escrito da palavra metáfora em nossa língua ocorreu no século XIV, mas o termo é de origem grega. Reconheçamos, pois, que durante esse tempo todo muito pouco deveria ter sobrado para a inventividade humana produzir metáforas.
Há quem ache que sim; há quem ache que não. Pelo sim, pelo não, cantemos a metáfora e, parodiando o compositor popular, entoemos a ela um hino de fogo e paixão: Você é luz, é raio, estrela e luar, manhã de sol, meu iaiá, meu ioiô..."
http://blogclaudiocezarhenriques.blogspot.com
FOTOBLOG - MEUS MOMENTOS (2004)
LEITURA ATUAL: UM BARSILEROEM BERLIM (JOÃO UBALDO RIBEIRO)
“No Brasil, muitas vezes me queixo de que as pessoas falam alto demais, se olham, pegam, esfregam, abraçam e beijam demais. Já aqui, sinto uma espécie de privação sensorial. Penso em Montaigne, que, se não me engano, escreveu que o casamento é como uma gaiola: o passarinho que está dentro quer sair, o que está fora quer entrar. Acho que isso pode estender-se a tudo na vida, porque hoje, particularmente, eu gostaria, de ter voltado para casa com a sensação de que alguém na rua me viu, e fiquei com saudades de casa”.
(Pequenos choques – quatro anotações de um visitante distraído)
A chegada da Vilma para as festas de fim de ano deixou-me com vontade de relembrar as minhas já longinquas viagens para Alemanha, em 1997 e 2000, então, resolvi mergulhar nas crônicas do João Ubaldo sobre o período em que morou lá com sua família. Estou me divertindo com esse baiano perdido no aeroporto de "fanfu" (segundo sua filha de oito anos) e nas "platz" de Berlim. Ô Saudade...
NO TEU DESERTO (MIGUEL SOUZA TAVARES)
Depois de publicar o premiado EQUADOR e RIO DAS FLORES, Miguel Souza Tavares surpreende com um romance curto, objetivo e capaz de emocionar contando a história de um jornalista de 36 anos e uma jovem de 21 que, sem se conhecerem previamente, atravessam juntos o deserto do Sahara, em cinco semanas, e mergulham lentamente nos universos interiores um do outro.
Excerto
“Esta história que vos vou contar passou-se há vinte anos. Passou-se comigo há vinte anos e muitas vezes pensei nela, sem nunca a contar a ninguém, guardando-a para mim, para nós que a vivemos. Talvez tivesse medo de estragar a lembrança desses longínquos dias, medo de mover, para melhor expor as coisas, essa fina camada de pó onde repousa, apenas adormecida, a memória dos dias felizes.”
«Éramos donos do que víamos: até onde o olhar alcançava, era tudo nosso. E tínhamos um deserto inteiro para olhar.»
«Ali estavas tu, então, tão nova que parecias irreal, tão feliz que era quase impossível de imaginar. Ali estavas tu, exactamente como te tinha conhecido. E o que era extraordinário é que, olhando-te, dei-me conta de que não tinhas mudado nada, nestes vinte anos: como nunca mais te vi, ficaste assim para sempre, com aquela idade, com aquela felicidade, suspensa, eterna, desde o instante em que te apontei a minha Nikon e tu ficaste exposta, sem defesa, sem segredos, sem dissimulação alguma.»
«Parecia-me que já tínhamos vivido um bocado de vida imenso e tão forte que era só nosso e nós mesmos não falávamos disso, mas sentíamo-lo em silêncio: era como se o segredo que guardávamos fosse a própria partilha dessa sensação. E que qualquer frase, qualquer palavra, se arriscaria a quebrar esse sortilégio.»
«Eu sei que ela se lembra, sei que foi feliz então, como eu fui. Mas deve achar que eu me esqueci, que me fechei no meu silêncio, que me zanguei com o seu último desaparecimento, que vivo amuado com ela, desde então. Não é verdade, Cláudia. Vê como eu me lembro, vê se não foram assim, passo por passo, aqueles quatro dias que demorámos até chegar juntos ao deserto.»
quinta-feira, dezembro 17, 2009
quarta-feira, dezembro 09, 2009
ESTIVE EM LISBOA E LEMBREI DE VOCÊ
Jornal do Commercio (PE) / Data: 16/11/2009
Lisboa é álibi de vertiginoso amor expresso
Luiz Ruffato foi buscar sua matéria-prima nos proletários e imigrantes, na luz, cheiros e ruídos da capital portuguesa
Schneider Carpeggiani
O mineiro Luiz Ruffato é guiado por um projeto firme: escrever a grande narrativa da história proletária brasileira. Mas foi na forma de uma pequena narrativa (minúsculas 90 e poucas páginas) que o autor realizou sua melhor obra, Estive em Lisboa e lembrei de você. O livro condensa num ritmo vertiginoso todo o seu ideário social sob o disfarce de trapalhadas e de um álibi amoroso. Álibi esse, essencial. A novela faz parte da série Amores expressos, da Companhia das Letras, em que todos os escritores envolvidos precisam passar uma temporada de 30 dias no exterior com a garantia de uma trama amorosa na bagagem de volta.
“Quando fui convidado para participar do projeto, escolhi Lisboa por dois motivos. Primeiro, eu já conhecia bastante a cidade e seria mais fácil tentar compreendê-la. Segundo, eu sabia que queria contar a historia de um imigrante no exterior, que era um desdobramento natural das minhas preocupações como ficcionista. Eu só não tinha ideia ainda de como concretizá-la”, afirmou o autor, em entrevista para o JC.
Ruffato já vinha compondo a história da imigração em obras como Mamma, son tanto felice e O livro das impossibilidades, que começam com descendentes de italianos arruinados no interior de Minas, passando pela “fuga” para São Paulo e Rio de Janeiro em busca de utópicas oportunidades. Um pouco a história da sua família italiana e a de seus vizinhos em Cataguases – “O meu próximo passo como autor seria exatamente acompanhar a geração que trocou o Brasil pelo estrangeiro”.
“Em Lisboa, meus 30 dias foram de passear pela periferia da cidade, aquela habitada pelos trabalhadores e imigrantes e deixar me afetar por sua luz, seus cheiros, seus gostos, seus ruídos, enfim, me sentir como um imigrante em busca de realizar o sonho de possuir algo, coisa que no Brasil tornara-se impossível... Depois que voltei, ainda demorei muito para começar a trabalhar no livro... Deixei que tudo isso se assentasse e se tornasse literatura”, revelou.
“Sou um escritor de um tema só”
Para Luiz Ruffato, toda sua obra parte da mineira Cataguases e gira em torno do sentimento de personagens que estão sempre migrando
Estive em Lisboa e lembrei de você serviu para o escritor mineiro Luiz Ruffato colocar em perspectiva sua produção iniciada nos anos 1990: “Eu sou um escritor orgânico. (O romance) Eles eram muitos cavalos foi um livro experimental, onde busquei encontrar uma forma adequada para expressar minhas preocupações. Em Inferno provisório busquei discutir a história do Brasil dos últimos 50 anos, a partir da visão da classe média baixa. A mesma reflexão estava presente em De mim já nem se lembra e neste Estive em Lisboa e lembrei de você. Cataguases é sempre o ponto de partida e o universo representado é sempre o do proletariado. Eu não quero me afastar desse centro de forma alguma, e a minha preocupação, neste sentido, beira a obsessão. Sou um escritor de um tema só...”
O romance parte da confissão do narrador, um ex-viciado arrependido – “Voltei a fumar, após seis anos e meio, pouco mais ou menos, da minha visita ao doutor Fernando, quando ele, prescrevendo o tratamento – tegretol, fluoxetina e adesivos de nicotina –, alertou, ‘Os medicamentos auxiliam’, mas parar mesmo, de vez, condicionava à minha determinação, ‘Dura segundos a vontade... e passa’ – que procura algum tipo de recuperação (social, emocional ou algo que nem ele mesmo sabe bem o quê direito) num Portugal mitológico de tão distante”.
O narrador criado por Ruffato é uma espécie de arquétipo do sentimento de perda comum a todos imigrantes – “Eu sou imigrante... Meus avós maternos trocaram a miséria da Itália pela pobreza em Rodeiro, lá em Minas Gerais. E meus avos paternos trocaram a miséria de Portugal pela pobreza de Guidoval, Minas Gerais. Minha mãe e meu pai deixaram suas cidades por Cataguases, em busca de melhores perspectivas para os filhos, por meio da educação. E eu deixei Cataguases e fui morar em São Paulo. Portanto, ainda não paramos de imigrar. E o imigrante é o mesmo, seja aqui ou no exterior. Seus sentimentos, desejos e sonhos são os mesmos, ele só quer sobreviver e imaginar-se numa situação melhor daqui a algum tempo”.
Para a construção da trama, o autor travou contato com imigrantes mais como uma conversa entre iguais que como uma entrevista – “E não só com brasileiros, mas também africanos... Apenas conversamos, como conversam bons amigos, trocando confidencias e deixando falar o coração... Não acredito em literatura de tese ou em literatura de pesquisa... Muitas vezes, daí nascem bons relatos jornalísticos, boas teses de sociologia, mas poucas vezes boa literatura...”.
Mas onde está a trama romântica, que é o obrigatório álibi das Amores expressos, no meio de tanta história de imigrantes? “O amor é geralmente associado a relação passional entre um homem e uma mulher, ou entre dois homens ou duas mulheres, mas poucas vezes lembramos que há muitas maneiras de o amor se manifestar. Pode ser entre um ser humano e um animal, e pode ser também de um ser humano por sua cidade natal ou por outros seres humanos, naquilo que denominamos solidariedade. Desse ponto de vista, para cumprir meu contrato com o projeto Amores expressos, achei que podíamos ampliar o conceito de amor e entendê-lo no livro como micromanifestações de várias formas de amor...”.
segunda-feira, dezembro 07, 2009
ARTHUR RIMBAUD
"PORQUE EU É UM OUTRO, (...)AFIRMO QUE É PRECISO SER VIDENTE, FAZER-SE VIDENTE. O POETA SE FAZ VIDENTE POR MEIO DE UM LONGO, IMENSO E RACIONAL DESREGRAMENTO DE TODOS OS SENTIDOS. TODAS AS FORMAS DE AMOR, DE SOFRIMENTO, DE LOUCURA; BUSCAR A SI, ESGOTAR EM SI MESMO TODOS OS VENENOS, A FIM DE SÓ LHES RETER A QUINTESSÊNCIA, INEFÁVEL TORTURA PARA A QUAL SE NECESSITA TODA A FÉ, TODA A FORÇA SOBRE-HUMANA, E PELA QUAL O POETA SE TORNA O GRANDE ENFERMO, O GRANDE CRIMINOSO, O GRANDE MALDITO, - E O SABEDOR SUPREMO!"
domingo, outubro 25, 2009
EM DEFESA DO ROMANCE
EM DEFESA DO ROMANCE
MARIO VARGAS LLOSA
REVISTA PIAUÍ
http://www.revistapiaui.com.br/edicao_37/artigo_1159/
Em_defesa_do_romance.aspx
"A literatura não diz nada aos seres humanos satisfeitos com seu destino, de todo contentes com o modo como vivem a vida. A literatura é alimento dos espíritos indóceis e propagadora da inconformidade, um refúgio para quem tem muito ou muito pouco na vida, onde é possível não ser infeliz, não se sentir incompleto, não ser frustrado nas próprias aspirações. Cavalgar junto ao esquálido Rocinante e a seu desregrado cavaleiro pelas terras da Mancha, percorrer os mares em busca da baleia branca com o capitão Ahab, tomar o arsênico com Emma Bovary ou transformar-se em inseto com Gregor Samsa é um modo astuto que inventamos para nos mitigar pelas ofensas e imposições desta vida injusta que nos obriga a sermos sempre os mesmos, enquanto gostaríamos de ser muitos, tantos quantos fossem necessários para satisfazer os desejos incandescentes de que somos possuídos."
Vale a pena ler o texto na íntegra.
MARIO VARGAS LLOSA
REVISTA PIAUÍ
http://www.revistapiaui.com.br/edicao_37/artigo_1159/
Em_defesa_do_romance.aspx
"A literatura não diz nada aos seres humanos satisfeitos com seu destino, de todo contentes com o modo como vivem a vida. A literatura é alimento dos espíritos indóceis e propagadora da inconformidade, um refúgio para quem tem muito ou muito pouco na vida, onde é possível não ser infeliz, não se sentir incompleto, não ser frustrado nas próprias aspirações. Cavalgar junto ao esquálido Rocinante e a seu desregrado cavaleiro pelas terras da Mancha, percorrer os mares em busca da baleia branca com o capitão Ahab, tomar o arsênico com Emma Bovary ou transformar-se em inseto com Gregor Samsa é um modo astuto que inventamos para nos mitigar pelas ofensas e imposições desta vida injusta que nos obriga a sermos sempre os mesmos, enquanto gostaríamos de ser muitos, tantos quantos fossem necessários para satisfazer os desejos incandescentes de que somos possuídos."
Vale a pena ler o texto na íntegra.
quinta-feira, outubro 15, 2009
PROTESTO DOS ALUNOS DO CURSO DE DIREITO DA UFF CONTRA A MORDAÇA QUE LHES ESTAVA SENDO IMPOSTA:
“A universidade, aliás, é, talvez, a única instituição que pode sobreviver apenas se aceitar críticas, de dentro dela própria, de uma ou outra forma. Se a universidade pede aos seus participantes que calem, ela está se condenando ao silêncio, isto é à morte, pois seu destino é falar.”
Milton Santos
O intelectual e a universidade estagnada
pronunciamento para a posse de professor emérito da USP
“’- Vejo duas cidades: uma do rato, uma da andorinha.’
O oráculo foi interpretado da seguinte maneira: atualmente Marósia é uma cidade em que todos correm em galerias de chumbo, como bandos de ratos que comem restos caídos dos dentes de ratos mais ameaçadores; mas está para começar um novo século em que todos os habitantes de Marósia voarão como andorinhas no céu do verão, chamando uns aos outros como se fosse um jogo, exibindo-se em volteios com as asas firmes, removendo do ar mosquitos e pernilongos.
‘ - É hora de concluir o século dos ratos e iniciar o das andorinhas - disseram os mais resolutos. E, de fato, sob o sinistro e sórdido predomínio ratinheiro, já se sentia incubar, entre as pessoas menos notórias, um ímpeto de andorinhas, que avançam no ar transparente com um ágil movimento de cauda e desenham com a lateral das asas a curva do horizonte que se alarga’.
Retornei a Marósia anos depois, considerava-se que a profecia da sibila havia tempos se tornara realidade; o velho século está enterrado, o novo está em seu ápice. A cidade certamente mudou, talvez para melhor. Mas as asas que vi são as de guarda-chuvas desconfiados sob os quais pesadas pálpebras se abaixam se olhadas; existem pessoas que acreditam poder voar, mas já fazem muito se levantam do solo abanando balandraus de morcego.”
Italo Calvino
As cidades invisíveis
Companhia das Letras 2008
“...
Posso, sem armas, revoltar-me’?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
...
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
...
É feia. Mas é realmente uma flor.
...
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
Carlos Drummond de Andrade
A flor e a náusea
in A rosa do povo
Editora Record 2007
“Todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total .”
João Guimarães Rosa
Grande Sertão: Veredas
Nova Fronteira, 2005
E você
restringe ou expande
sua cabeça?
Re
pense a universidade
“Tristeza das gerações sem ‘mestres’. Nossos mestres não são apenas os professores públicos, apesar de termos muita necessidade de professores. No momento em que alcançamos a idade adulta, nossos mestres são aqueles que nos impressionam com uma nova radicalidade.”
Gilles Deleuze
Ele foi meu mestre
in Sarte, As moscas
Nova Fronteira, 2005
“Ninguém
Ninguém vai me acorrentar
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir
Enquanto eu puder cantar
Alguém vai ter que me ouvir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder seguir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder...”
Chico Buarque
Cordão
1971
E você
canta, segue,sorri
ou se deixa acorrentar?
Re
pense a universidade
“Que mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação, e que tal iluminação pode bem provir, menos das teorias e conceitos, e mais da luz incerta, bruxuleante e frequentemente fraca que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo em que lhes foi dado na Terra - essa convicção constitui o pano de fundo implícito contra o qual se delinearam esses perfis. Olhos tão habituados às sombras, como os nossos, dificilmente conseguirão dizer se sua luz era a luz de uma vela ou a de um sol resplandecente. Mas tal avaliação objetiva me parece uma questão de importância secundária que pode ser seguramente legada à posteridade.”
Hannah Arendt
Homens em tempos sombrios
Cia de Bolso, 2008
“O coro: Os ventos pararam e o céu está vazio! Vamos nos calar por muito tempo. Mas, ainda uma última vez, antes que nossas bocas sejam amordaçadas pelo terror: vamos gritar pelo deserto!
A peste: Eu reino, é um fato, logo um direito. No entanto, um direito que não se discute: vocês têm de se adaptar.
...
Abomino a diferença e a falta de razão.
...
Em resumo: trago o silêncio, a ordem, e a justiça absoluta. Não espero agradecimentos, o que faço por vocês é natural. Mas exijo a colaboração ativa. Meu ministério começou.”
Albert Camus
Estado de sítio
Civilização brasileira, 2002
E você
grita ou agradece?
Re
pense a universidade
“Coro: O outro corre! Tem medo e confessa. Está fora de si, enlouquecido. Tornamo-nos obedientes. Eles nos administram. Mas, no silêncio dos escritórios, escutamos um longo grito contido, aquele dos corações separados, falando do mar ao sol do meio-dia, do cheiro do carnaval à noite, dos braços frescos de nossas mulheres. Nossos rostos estão lacrados, nosso passos contados, nossas horas regulamentadas, mas nosso coração recusa o silêncio. Recusa as listas e matrículas, os muros intermináveis, as grades nas janelas, as manhãs cercadas de fuzis. (...) Que o vento sopre e possamos finalmente respirar.
A peste: Marquem-no! Marquem a todos! Mesmo que não digam nada, ainda se pode ouvir! Eles não podem protestar, mas seu silêncio range! Esmaguem suas bocas! Amordacem-nos e lhes ensinem as palavras de ordem, até que repitam sempre a mesma coisa para que se tornem os bons cidadãos de que precisamos.”
Albert Camus
Estado de sítio
Civilização brasileira, 2002
E você
repete ou range?
Re
pense a universidade
“Nada: A norma aqui é agir de modo que ninguém se entenda, mesmo falando a mesma língua. E, posso lhe garantir, estamos nos aproximando do instante perfeito, em que todo mundo falará e nunca encontrará eco. E onde quer que duas linguagens se encontrem nesta cidade, elas se destruirão tão completamente que tudo se encaminhará para o último desfecho - o silêncio e a morte.”
Albert Camus
Estado de sítio
Civilização brasileira, 2002
E você
e
ncontra eco
ou silencia o próximo?
Re
pense a universidade
Milton Santos
O intelectual e a universidade estagnada
pronunciamento para a posse de professor emérito da USP
“’- Vejo duas cidades: uma do rato, uma da andorinha.’
O oráculo foi interpretado da seguinte maneira: atualmente Marósia é uma cidade em que todos correm em galerias de chumbo, como bandos de ratos que comem restos caídos dos dentes de ratos mais ameaçadores; mas está para começar um novo século em que todos os habitantes de Marósia voarão como andorinhas no céu do verão, chamando uns aos outros como se fosse um jogo, exibindo-se em volteios com as asas firmes, removendo do ar mosquitos e pernilongos.
‘ - É hora de concluir o século dos ratos e iniciar o das andorinhas - disseram os mais resolutos. E, de fato, sob o sinistro e sórdido predomínio ratinheiro, já se sentia incubar, entre as pessoas menos notórias, um ímpeto de andorinhas, que avançam no ar transparente com um ágil movimento de cauda e desenham com a lateral das asas a curva do horizonte que se alarga’.
Retornei a Marósia anos depois, considerava-se que a profecia da sibila havia tempos se tornara realidade; o velho século está enterrado, o novo está em seu ápice. A cidade certamente mudou, talvez para melhor. Mas as asas que vi são as de guarda-chuvas desconfiados sob os quais pesadas pálpebras se abaixam se olhadas; existem pessoas que acreditam poder voar, mas já fazem muito se levantam do solo abanando balandraus de morcego.”
Italo Calvino
As cidades invisíveis
Companhia das Letras 2008
“...
Posso, sem armas, revoltar-me’?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
...
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
...
É feia. Mas é realmente uma flor.
...
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
Carlos Drummond de Andrade
A flor e a náusea
in A rosa do povo
Editora Record 2007
“Todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total .”
João Guimarães Rosa
Grande Sertão: Veredas
Nova Fronteira, 2005
E você
restringe ou expande
sua cabeça?
Re
pense a universidade
“Tristeza das gerações sem ‘mestres’. Nossos mestres não são apenas os professores públicos, apesar de termos muita necessidade de professores. No momento em que alcançamos a idade adulta, nossos mestres são aqueles que nos impressionam com uma nova radicalidade.”
Gilles Deleuze
Ele foi meu mestre
in Sarte, As moscas
Nova Fronteira, 2005
“Ninguém
Ninguém vai me acorrentar
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir
Enquanto eu puder cantar
Alguém vai ter que me ouvir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder seguir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder sorrir
Enquanto eu puder cantar
Enquanto eu puder...”
Chico Buarque
Cordão
1971
E você
canta, segue,sorri
ou se deixa acorrentar?
Re
pense a universidade
“Que mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação, e que tal iluminação pode bem provir, menos das teorias e conceitos, e mais da luz incerta, bruxuleante e frequentemente fraca que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo em que lhes foi dado na Terra - essa convicção constitui o pano de fundo implícito contra o qual se delinearam esses perfis. Olhos tão habituados às sombras, como os nossos, dificilmente conseguirão dizer se sua luz era a luz de uma vela ou a de um sol resplandecente. Mas tal avaliação objetiva me parece uma questão de importância secundária que pode ser seguramente legada à posteridade.”
Hannah Arendt
Homens em tempos sombrios
Cia de Bolso, 2008
“O coro: Os ventos pararam e o céu está vazio! Vamos nos calar por muito tempo. Mas, ainda uma última vez, antes que nossas bocas sejam amordaçadas pelo terror: vamos gritar pelo deserto!
A peste: Eu reino, é um fato, logo um direito. No entanto, um direito que não se discute: vocês têm de se adaptar.
...
Abomino a diferença e a falta de razão.
...
Em resumo: trago o silêncio, a ordem, e a justiça absoluta. Não espero agradecimentos, o que faço por vocês é natural. Mas exijo a colaboração ativa. Meu ministério começou.”
Albert Camus
Estado de sítio
Civilização brasileira, 2002
E você
grita ou agradece?
Re
pense a universidade
“Coro: O outro corre! Tem medo e confessa. Está fora de si, enlouquecido. Tornamo-nos obedientes. Eles nos administram. Mas, no silêncio dos escritórios, escutamos um longo grito contido, aquele dos corações separados, falando do mar ao sol do meio-dia, do cheiro do carnaval à noite, dos braços frescos de nossas mulheres. Nossos rostos estão lacrados, nosso passos contados, nossas horas regulamentadas, mas nosso coração recusa o silêncio. Recusa as listas e matrículas, os muros intermináveis, as grades nas janelas, as manhãs cercadas de fuzis. (...) Que o vento sopre e possamos finalmente respirar.
A peste: Marquem-no! Marquem a todos! Mesmo que não digam nada, ainda se pode ouvir! Eles não podem protestar, mas seu silêncio range! Esmaguem suas bocas! Amordacem-nos e lhes ensinem as palavras de ordem, até que repitam sempre a mesma coisa para que se tornem os bons cidadãos de que precisamos.”
Albert Camus
Estado de sítio
Civilização brasileira, 2002
E você
repete ou range?
Re
pense a universidade
“Nada: A norma aqui é agir de modo que ninguém se entenda, mesmo falando a mesma língua. E, posso lhe garantir, estamos nos aproximando do instante perfeito, em que todo mundo falará e nunca encontrará eco. E onde quer que duas linguagens se encontrem nesta cidade, elas se destruirão tão completamente que tudo se encaminhará para o último desfecho - o silêncio e a morte.”
Albert Camus
Estado de sítio
Civilização brasileira, 2002
E você
e
ncontra eco
ou silencia o próximo?
Re
pense a universidade
“O ensino deveria ser apenas o local onde se transborda o conhecimento provindo de atividades outras, do mundo. E o transbordar seria alegre, comprometido e exigente. Os alunos, interlocutores e parceiros de um processo ligado à vida e não fechado em si mesmo.”
Beatriz Bracher
Não falei
Editora 34, 2004
Beatriz Bracher
Não falei
Editora 34, 2004
terça-feira, outubro 13, 2009
terça-feira, agosto 18, 2009
quarta-feira, agosto 12, 2009
O CLUBE DO FILME (LEITURA ATUAL)
SINOPSE
"Eram tempos difíceis para David Gilmour: sem trabalho fixo, com o dinheiro contado e o filho de 15 anos colecionando reprovações em todas as matérias do ensino médio. O autor, diante da falência, da desorientação e da infelicidade do filho-problema, faz uma oferta fora dos padrões: o garoto poderia sair da escola – e ficar sem trabalhar e sem pagar aluguel – desde que assistisse semanalmente a três filmes escolhidos por ele, o pai.
A aposta diferente resultou no Clube do Filme. Semana a semana, pai e filho viam e discutiam o melhor (e, ocasionalmente, o pior) do cinema: de A Doce Vida (o clássico de Federico Fellini) a Instinto Selvagem (o thriller sensual estrelado por Sharon Stone); de Os Reis do Iê, Iê, Iê (hit cinematográfico da Beatlemania) a O Iluminado (interpretação primorosa da Jack Nicholson, dirigido por Stanley Kubrick); de O Poderoso Chefão (um dos integrantes das listas de "melhores filmes de todos os tempos") a Amores Expressos (cult romântico e contemporâneo do coreano Wong KarWay).
David Gilmour, crítico de cinema e escritor premiado, oferece uma percepção singular sobre filmes, roteiros, diretores e atores inesquecíveis ao relatar essa vivência com olho clínico e muita sinceridade. E emociona ao mostrar aos leitores a descoberta da vida adulta pelos olhos de um jovem e os dilemas da adolescência administrados por um pai muito presente".
EXPLICAÇÃO DOS PÁSSSAROS (ANTÓNIO LOBO ANTUNES)
"Publicado em 1981, Explicação dos Pássaros é um rompimento com a trilogia sobre a guerra colonial em Angola com que se sagrou no mapa literário português. Não há mais as lembranças fantasmais dos cadáveres, a geografia sensual de Luanda crivada de violência, a incapacidade do ex-combatente em retornar ao mundo cotidiano anterior. Explicação avança sobre as agruras da vida conjugal. Rui, o narrador, amarga uma recente separação dolorosa e tenta reconstruir sua vida ao lado de uma nova mulher com quem se casou por um desejo de preencher sua solidão.
Ao contrário da imensa maioria dos romances de Antunes, essa é uma narrativa de personagens em movimento: Rui monologa enquanto avança com seu carro por cidades costeiras de Portugal. Está sensibilizado com a doença da mãe e evoca sua infância e sua vida enquanto reúne forças para pedir divórcio da esposa que não ama. O livro é um grande ritual de adeuses, e o desconforto crescente de Rui aponta apenas para um final possível. E trágico.
Como em outros livros de Antunes, a trama é pífia. As coisas não acontecem; o que acontece é o pensamento das personagens. Possuem uma fluência delirante, e há uma inegável vocação poética em Antunes. Em certos momentos, no entanto, as imagens aberrantes não ajudam muito a visualizar a narrativa. É como se a profusão de metáforas nublasse o enredo.
Ainda seriam necessários alguns romances para Antunes encontrar uma forma narrativa que adéqüe sua sensibilidade poética a uma plasticidade necessária para sua íntegra legibilidade. Antes de A Ordem Natural das Coisas (1992), muitos de seus romances flertavam com o hermetismo. É de se perguntar: de quê adianta um universo ficcional denso se o leitor não encontra nele um espaço mínimo para contemplá-lo?"
VINICIUS JATOBÁ - www.ala.nletras.com/livros/explicacao_dos_passaros.htm
Li a resenha e concordei com ela, por isso a transcrevi. Inicialmente, apaixonei-me por Lobo Antunes, ouvindo-o durante a FLIP e lendo suas inúmeras entrevistas. Quis, então, mergulhar em sua obra e comecei pela "Explicação dos pássaros". Realmente, as metáforas são belas, o problema é que são inúmeras. Os diálogos são repetitivos e quando achamos que algo irá acontecer, dá-se uma ruptura, uma volta ao passado, a voz de outra pessoa comentando assunto totalmente diferente, e tudo isso no mesmo parágrafo.
Lobo Antunes apresenta uma nova forma de escrever, de criar, fazer literatura e causar o tão cultuado estranhamento, mas de forma cansativa. É complicado externar um pensamento assim a respeito de um livro duplamente premiado, de autor festejado pelos leitores e agraciado pela crítica. Por isso, pretendo ler outro livro do António L.A., e também por estar inconformada com o fato de não ter sentido pela obra o mesmo que experimentei quanto ao seu criador.
O FILHO DA MÃE (3ª POSTAGEM)
Comecei a ler “O filho da mãe” e, logo depois, fui para a FLIP, quando assisti a mesa da qual o Bernardo Carvalho, autor da obra, participou. Achei-o pedante, grosseiro, enfim, fiquei com uma impressão negativa a seu respeito. Minha vontade era a de deixar o livro de lado, mas... continuei. Já havia lido “Mongólia” e, simplesmente, gostado - não foi um livro que marcou -, ainda assim, resolvi que iria até o final do romance, no que fiz muito bem.
A escrita do Bernardo Carvalho em “O filho da mãe” causa um certo estranhamento. Parecem contos, mas a partir da metade do livro os personagens vão se interligando, as histórias de cada um se conectando e o leitor sendo surpreendido a cada capítulo. É um romance denso, emocionante, histórico, e o desenvolvimento da trama acontece de forma diferente, nada linear, culminando com o mito da quimera, aberração rejeitada pelo ser humano, mas não pelo ser que a gerou: a mãe, figura abordada durante todo o romance sob a temática da guerra.
O FILHO DA MÃE (2ª POSTAGEM)
SINOPSE
"Em O filho da mãe, Bernardo Carvalho orquestra uma multiplicidade de vozes e pontos de vista, sem nunca perder de foco o motivo recorrente da maternidade, imbricado com o seu avesso: o sentimento de orfandade, de desamparo e desajuste, cuja representação mais crua é a guerra. “As mães têm mais a ver com a guerra do que imaginam”, diz a certa altura uma personagem. O livro, de certo modo, é a demonstração poética disso.
Embora o pano de fundo da história seja a segunda guerra da Tchetchênia, em 2003, Carvalho volta-se neste romance à figura da mãe, ao tema da maternidade. Serão as mães, moduladas e refratadas nas diversas histórias que aqui se entrelaçam, o fio condutor de uma trama singular, cujo resultado vem confirmar a posição do autor entre um dos mais originais e inovadores da literatura brasileira contemporânea.
São Petersburgo, cidade literária por excelência, é o epicentro da tragédia. Mas, como costuma acontecer nos livros de Bernardo Carvalho, a ação se expande vertiginosamente no tempo e no espaço. Do Oiapoque ao Nieva, de Grozni ao mar do Japão, chegam os estilhaços desses dramas nucleares de mães culpadas, filhos extraviados e pais tirânicos ou ausentes. Todas as personagens parecem, em alguma medida, estar fora do lugar, em famílias e países alheios — daí a força que adquire, no contexto, a figura monstruosa da quimera, aberração rejeitada pela natureza e pelo homem.
Romance de alta voltagem emocional, sem prejuízo do viés crítico e da complexidade da construção narrativa, O filho da mãe é um passo à frente na literatura sempre inquieta e surpreendente de Bernardo Carvalho".
"Em O filho da mãe, Bernardo Carvalho orquestra uma multiplicidade de vozes e pontos de vista, sem nunca perder de foco o motivo recorrente da maternidade, imbricado com o seu avesso: o sentimento de orfandade, de desamparo e desajuste, cuja representação mais crua é a guerra. “As mães têm mais a ver com a guerra do que imaginam”, diz a certa altura uma personagem. O livro, de certo modo, é a demonstração poética disso.
Embora o pano de fundo da história seja a segunda guerra da Tchetchênia, em 2003, Carvalho volta-se neste romance à figura da mãe, ao tema da maternidade. Serão as mães, moduladas e refratadas nas diversas histórias que aqui se entrelaçam, o fio condutor de uma trama singular, cujo resultado vem confirmar a posição do autor entre um dos mais originais e inovadores da literatura brasileira contemporânea.
São Petersburgo, cidade literária por excelência, é o epicentro da tragédia. Mas, como costuma acontecer nos livros de Bernardo Carvalho, a ação se expande vertiginosamente no tempo e no espaço. Do Oiapoque ao Nieva, de Grozni ao mar do Japão, chegam os estilhaços desses dramas nucleares de mães culpadas, filhos extraviados e pais tirânicos ou ausentes. Todas as personagens parecem, em alguma medida, estar fora do lugar, em famílias e países alheios — daí a força que adquire, no contexto, a figura monstruosa da quimera, aberração rejeitada pela natureza e pelo homem.
Romance de alta voltagem emocional, sem prejuízo do viés crítico e da complexidade da construção narrativa, O filho da mãe é um passo à frente na literatura sempre inquieta e surpreendente de Bernardo Carvalho".
O FILHO DA MÃE (1ª POSTAGEM)
Bernardo Carvalho recorre a trama "operística" para abordar amor
EDUARDO SIMÕES
da Folha de S.Paulo
Em 2007, durante o mês que passou em São Petersburgo para escrever uma história de amor sob encomenda do projeto "Amores Expressos", o escritor Bernardo Carvalho descobriu um romance russo, de fortes tintas melodramáticas, que acabou ecoando em seu recém-lançado "O Filho da Mãe". Leia mais.
À época, uma adaptação do tal livro --"Vida e Destino", de Vassili Grossman (1905-1964)-- estava em cartaz na cidade russa. Como não havia legendas, Carvalho não viu a peça, mas acabou achando uma edição do livro em espanhol, na feira do livro de Santiago, no Chile, após sua volta ao Brasil.
O enredo de Grossman -que fala, entre outras coisas, de uma mãe forçada a despedir-se do filho e do amor de uma jovem, em meio à Segunda Guerra- guardava coincidências com a trama que Carvalho tinha em mente: uma história de amor (aqui, entre dois homens) e uma reflexão sobre o amor maternal e sua relação com a guerra, inspiração que o autor teve quando, em suas pesquisas, soube do Comitê das Mães dos Soldados, que ajuda jovens enviados à Tchechênia.
O sentimentalismo de Grossman, que pairava como um fantasma sobre Carvalho, ganhou força no livro com a opção por um narrador na terceira pessoa, novidade em sua obra: "Permitiu-me não estar em personagem nenhum e descrever seus sentimentos como coisas externas", conta o autor, que buscou uma organização de enredo que fosse "operística", apesar da escrita "seca".
"A trama vai se desenvolvendo até estourar em uma espécie de desenlace trágico. Quase imagino um negócio cantado."
Antes mesmo de chegar à Rússia, Carvalho já sabia que, por conhecer pouco o país, queria um olhar estrangeiro --Ruslan, um dos protagonistas, é do Cáucaso, e o outro, Andrei, filho de uma russa com um brasileiro. No pano de fundo, a festa, em 2003, dos 300 anos de São Petersburgo, cidade "nascida de um projeto iluminista" que contrasta com a "desrazão da guerra no Cáucaso".
O desamparo dos personagens ganhou muito (mais) da subjetividade do próprio escritor quando ele, em seu terceiro dia na cidade, sofreu uma tentativa de assalto. "Foi uma espécie de trauma fundamental. Tomei consciência do estado de vulnerabilidade do indivíduo sozinho. A ideia da solidão absoluta, num lugar inóspito, permitiu-me a construção dos dois que, quando juntos, não chamam mais a atenção."
O outro ponto pacífico do romance era a relação entre dois homens, tema recorrente em sua obra. Carvalho, porém, ressalta que não quer ser conhecido como escritor gay. "A literatura é a possibilidade de escapar de um lugar no mundo, que é humano e restrito. Nenhum livro meu deixa de ter relação homossexual. Mas não quero o rótulo. Se você o aceita, funciona mercadalogicamente. Não sei se explodiria, até mesmo porque gay não lê. O meio gay não é especialmente letrado. Serei assassinado por dizer isso", afirma, melodramático.
terça-feira, agosto 04, 2009
Sinais do mar
de Ana Maria Machado
por FERNANDO PAIXÃO
Que beleza é Sinais do mar, de Ana Maria Machado. Obra de rara delicadeza editorial. Não apenas por conta do projeto gráfico de Luciana Facchini – reinventando ondas em azul-marinho a cada página do livro-objeto –, mas principalmente pelas poucas e primorosas palavras dessa autora de tão longa e bem sucedida carreira.
Bem se sabe que a arte da poesia é muito distinta da prosa. Pede uma cumplicidade entre o tema e os vocábulos que se aproxima da música. Mais que o reconto dos fatos, valoriza as imagens, os sons. E um silêncio sem palavras. Por isso, o escritor acostumado à prosa tem de reinventar os seus meios e modos, quando se põe a lidar com os versos. Deve desconfiar de si mesmo, se quiser de fato alcançar a dimensão poética.
Desafio esse que foi aceito (e vencido) por Ana. Basta dizer que esse livro ficou decantando ao longo de vinte anos, antes de chegar ao porto da publicação. Representou, na verdade, um longo processo de descobrimento poético por parte da autora, humilde para acolher a espontaneidade dos poemas e deixá-los na gaveta por muito tempo, sempre lidos e por vezes reescritos. Como ela não queria simplesmente escrever mais um livro, permaneceu exigente ao máximo. Queria, à sua maneira, flagrar alguma essência do mundo marinho.
E conseguiu. Seus poemas são como que barcarolas flutuando sobre uma vivência maior – tão maior – de águas e espaços: “Todo barulho/ é visão // O mar balança/ em lenta dança”. Para tanto, ela não oferece mais que palavras quietas e simples, mas carregadas de alta potência sugestiva. Não por acaso, começa com uma aquarela: “coral/ cores/ em coro”.
Digamos que muitos dos sinais reunidos dizem respeito a coisas e animais pequenos e tal, mas que repercutem a dramaticidade viva do imenso oceano. A magia deste conjunto está justamente em dizer em tom pequeno (sob a ótica universal de um vilarejo de praia) aquilo que não se permite nomear: o mar.
Resulta, assim, uma delicada sugestão de águas imaginárias para onde conflui de tudo: conchas e velas, proas e raios, peixes e luas, imensidões e infinitos.
Enquanto isso: “voam as gaivotas/ em revoadas vogais”.
FERNANDO PAIXÃO É POETA, AUTOR DE FOGO DOS RIOS (BRASILIENSE, 1989), 25 AZULEJOS (ILUMINURAS, 1994) E POESIA A GENTE INVENTA (ÁTICA, 1995), ESTE PARA CRIANÇAS. TAMBÉM ORGANIZOU UMA EDIÇÃO DA POÉTICA DE MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (ILUMINURAS, 1995)
de Ana Maria Machado
por FERNANDO PAIXÃO
Que beleza é Sinais do mar, de Ana Maria Machado. Obra de rara delicadeza editorial. Não apenas por conta do projeto gráfico de Luciana Facchini – reinventando ondas em azul-marinho a cada página do livro-objeto –, mas principalmente pelas poucas e primorosas palavras dessa autora de tão longa e bem sucedida carreira.
Bem se sabe que a arte da poesia é muito distinta da prosa. Pede uma cumplicidade entre o tema e os vocábulos que se aproxima da música. Mais que o reconto dos fatos, valoriza as imagens, os sons. E um silêncio sem palavras. Por isso, o escritor acostumado à prosa tem de reinventar os seus meios e modos, quando se põe a lidar com os versos. Deve desconfiar de si mesmo, se quiser de fato alcançar a dimensão poética.
Desafio esse que foi aceito (e vencido) por Ana. Basta dizer que esse livro ficou decantando ao longo de vinte anos, antes de chegar ao porto da publicação. Representou, na verdade, um longo processo de descobrimento poético por parte da autora, humilde para acolher a espontaneidade dos poemas e deixá-los na gaveta por muito tempo, sempre lidos e por vezes reescritos. Como ela não queria simplesmente escrever mais um livro, permaneceu exigente ao máximo. Queria, à sua maneira, flagrar alguma essência do mundo marinho.
E conseguiu. Seus poemas são como que barcarolas flutuando sobre uma vivência maior – tão maior – de águas e espaços: “Todo barulho/ é visão // O mar balança/ em lenta dança”. Para tanto, ela não oferece mais que palavras quietas e simples, mas carregadas de alta potência sugestiva. Não por acaso, começa com uma aquarela: “coral/ cores/ em coro”.
Digamos que muitos dos sinais reunidos dizem respeito a coisas e animais pequenos e tal, mas que repercutem a dramaticidade viva do imenso oceano. A magia deste conjunto está justamente em dizer em tom pequeno (sob a ótica universal de um vilarejo de praia) aquilo que não se permite nomear: o mar.
Resulta, assim, uma delicada sugestão de águas imaginárias para onde conflui de tudo: conchas e velas, proas e raios, peixes e luas, imensidões e infinitos.
Enquanto isso: “voam as gaivotas/ em revoadas vogais”.
FERNANDO PAIXÃO É POETA, AUTOR DE FOGO DOS RIOS (BRASILIENSE, 1989), 25 AZULEJOS (ILUMINURAS, 1994) E POESIA A GENTE INVENTA (ÁTICA, 1995), ESTE PARA CRIANÇAS. TAMBÉM ORGANIZOU UMA EDIÇÃO DA POÉTICA DE MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO (ILUMINURAS, 1995)
segunda-feira, julho 20, 2009
quarta-feira, julho 08, 2009
Impressões sobre a 7ª FLIP
Encontrei Paraty enfeitada para receber autores e leitores em sua 7ª edição. Embora fosse a minha terceira ida à festa, fiquei surpresa e agitada ao chegar à cidade, tão cheia de atrações e com um grande número de visitantes. Os bonecos de papel marché estavam em toda parte e a novidade desse ano foi a baleia Moby Dick, com Pinóquio e Gepeto em seu interior.
As pessoas circulavam com suas máquinas fotográficas em punho e a tiracolo. Os modelos eram os mais variados, assim como os tamanhos das lentes. Restaurantes e bares cheios, arlequins declamando poesias, o maracatu nas ruas, enfim, diversão à beça e sem problemas.
Árvores de livros, o trem-de-ferro do Manuel Bandeira na praça e bonecos que imitavam crianças com os braços estendidos para o alto, à espera de balões. A tenda da flipinha, colorida, contando com a presença de Carlos Heitor Cony, Ana Lee, Ruth Rocha, Bia Hetzel, dentre tantos outros; a rádio maluca sendo transmitida direto da FLIP para a Rádio Mec; entrevista com Ivan Zigg, Luís Perequê tocando violão, além de muita contação de histórias.
Houve show de blues no Café Paraty, música ao vivo no Paraty 33, com ótimas bandas de São Paulo, além de violão e voz em vários outros lugares. O cais enfeitado, as ruas limpas - apesar das charretes e seus cavalos - estas aumentando o cheiro de história característico do lugar.
A mesa “Verdades inventadas” foi composta por Tatiana Salém Levy, Arnaldo Bloch e Sérgio Rodrigues, os quais falaram sobre suas respectivas obras (A chave de casa, Os irmãos Karamabloch e Elza, a garota). Percebi Tatiana, que tem formação em letras, um tanto tímida , entre dois jornalistas experientes, preocupada em deixar claro que não havia escrito uma autobiografia. Os três leram trechos dos seus livros. Senti muito por não ter lido Bloch e Rodrigues e feliz por estar ouvindo a escritora de 28 anos, autora premiada e que daqui a um tempo talvez tenha a fluência da palavra falada tão proficiente quanto a da escrita.
Depois, ouvi Bernardo Carvalho (O filho da mãe) e o afegão Atiq Rahimi (Pedra da Paciência) na mesa “O avesso do realismo”. A mediação foi feita por Beatriz Resende, professora de Literatura Comparada da UFRJ. Tudo ia muito bem até que surgiu a pergunta acerca da importância da literatura nacional para ambos e de uma quebra de fronteiras entre estas. Atiq disse ser complicado falar numa literatura nacional no Afeganistão, mas que acreditava em sentimentos humanos universais e numa literatura que, por essa razão, transcendesse fronteiras. Bernardo falou em suas viagens à Mongólia e à Rússia, mas deixou claro que as incursões por esses países não foram essenciais à escrita das obras. Disse, ainda, precisar do medo para criar e falar dos paradoxos, dos sentimento capazes de incomodar o ser humano, enfatizando de maneira pouco cortês que os “bons sentimentos” não fazem da literatura algo comum aos homens de diversos países, ou seja, discordou de forma veemente do escritor afegão.
Ainda sobre a questão colocada nessa mesa, pode-se dizer que a crise da literatura comparada existe, principalmente, em razão do nacionalismo exacerbado em diversos países, e nisso Bernardo tem razão. Dificilmente Mongólia e O filho da mãe serão lidos na Mongólia e na Rússia, respectivamente. Porém, não se pode negar que um dos pilares da literatura comparada seja a universalidade, o estabelecimento de relações entre as obras de arte (ou não) de diversas épocas e locais e isso foi o que Atiq pode ter tentado dizer.
Richard Dawkins falou sobre a Teoria da Evolução (Charles Darwin) em seus livros Deus é um delírio (tema da mesa) e O gene egoísta, dentre outros, com a mediação de Silio Boccanera. O apressado autor disse estar se sentindo amedrontado ao falar de ateísmo num país católico como o Brasil. As perguntas feitas pela plateia, pelo que soube, foram cortadas. Enfim, eu esperava mais da entrevista.
Não assisti Chico Buarque e Milton Hatoum. A mesa provocou comoção na cidade, pois os ingressos haviam se esgotado na primeira meia hora de venda e as pessoas se aglomeravam para tentar ver e ouvir o autor de Leite derramado. Li Chico e, no começo, gostei bastante. Depois, a história deixou de me encantar. Prefiro o belo homem de olhos azuis como cantor e compositor.
A mais grata surpresa da FLIP foi António Lobo Antunes. A mesa “Escrever é preciso” composta pelo jornalista Humberto Werneck e por esse escritor português, emocionou a todos: “Há alturas que você pensa: não vou ser capaz, para que escrever?. Só vale a pena quando nos é inconcebível, porque ler dá muito mais prazer. O leitor tinha que vir na capa do livro, não o escritor. Um livro bom é aquele que foi escrito só pra mim”. Lembrei-me, então, de R. M. Rilke em Cartas a um jovem poeta. Ao falar da sua família brasileira, disse que o nosso país, para ele, não é a terra em si, mas os cheiros, os doces das tias, o sotaque, a poesia de Manuel Bandeira, e, por isso, não precisa estar aqui, fisicamente, para estar no Brasil. Lobo Antunes lembrou do avô durante a entrevista, além dos escritores Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro, seus amigos. O autor de Explicação dos pássaros e Meu nome é Legião encantou a plateia (“O grande artista é aquele que muda a arte”).
Cristóvão Tezza e Mario Bellatin fizeram parte da mesa “O eu profundo e outros eus”. Tezza, ao escrever O filho eterno, sobre a história do seu filho com síndrome de Down, o fez em terceira pessoa, por absoluta impossibilidade de usar o “eu” diante dessa delicada questão. Mario Bellatin (Flores), usando uma prótese com um gancho na ponta no lugar do braço que lhe falta, foi questionado por ter organizado um seminário sobre a literatura mexicana em Paris e, em vez de enviar os autores do seu país para falar na França, apresentou pessoas que decoraram os textos desses escritores, com a finalidade de observar se tais idéias permaneceriam e fariam sentido sem a presença dos seus criadores. Por essa atitude foi bastante criticado à época. Quando perguntado sobre o porquê de não ter enviado apenas um respresentante das suas idéias à FLIP, respondeu (entre risos) que não queria perder a oportunidade de vir ao Brasil.
Simon Schama foi entrevistado por Lilia Moritz Scharcz, ambos historiadores, durante a mesa “O futuro da América”. O autor falou sobre a situação política dos Estados Unidos, o desgoverno de Bush e a eleição de Barack Obama; para ele, os americanos viram além da cor da pele do presidente eleito e sentiram como se Lincoln fizesse parte não só do discurso, mas do gabinete de Obama. Concluindo a entrevista, a brasileira preguntou ao escritor inglês sobre o que ele achava do fato de não existir sequer um negro na plateia, ao que ele respondeu: “é um defeito da FLIP. Vocês precisam resolver isso”.
A verdade é que a FLIP é bastante elitista. Embora Bia Hetzel tenha dito que os paratienses precisam se apropriar da festa, porque a FLIP também é para eles, podemos perceber o quanto isso é difícil e não se sabe até que ponto, verdadeiro. Paraty é uma cidade cara, inacessível nessa época do ano para quem não faz parte de uma classe mais favorecida ou não se sacrifica para poder participar. É tudo muito bonito, as manifestações culturais estão presentes em cada esquina, mas, definitivamente, ainda não é para todos.
As pessoas circulavam com suas máquinas fotográficas em punho e a tiracolo. Os modelos eram os mais variados, assim como os tamanhos das lentes. Restaurantes e bares cheios, arlequins declamando poesias, o maracatu nas ruas, enfim, diversão à beça e sem problemas.
Árvores de livros, o trem-de-ferro do Manuel Bandeira na praça e bonecos que imitavam crianças com os braços estendidos para o alto, à espera de balões. A tenda da flipinha, colorida, contando com a presença de Carlos Heitor Cony, Ana Lee, Ruth Rocha, Bia Hetzel, dentre tantos outros; a rádio maluca sendo transmitida direto da FLIP para a Rádio Mec; entrevista com Ivan Zigg, Luís Perequê tocando violão, além de muita contação de histórias.
Houve show de blues no Café Paraty, música ao vivo no Paraty 33, com ótimas bandas de São Paulo, além de violão e voz em vários outros lugares. O cais enfeitado, as ruas limpas - apesar das charretes e seus cavalos - estas aumentando o cheiro de história característico do lugar.
A mesa “Verdades inventadas” foi composta por Tatiana Salém Levy, Arnaldo Bloch e Sérgio Rodrigues, os quais falaram sobre suas respectivas obras (A chave de casa, Os irmãos Karamabloch e Elza, a garota). Percebi Tatiana, que tem formação em letras, um tanto tímida , entre dois jornalistas experientes, preocupada em deixar claro que não havia escrito uma autobiografia. Os três leram trechos dos seus livros. Senti muito por não ter lido Bloch e Rodrigues e feliz por estar ouvindo a escritora de 28 anos, autora premiada e que daqui a um tempo talvez tenha a fluência da palavra falada tão proficiente quanto a da escrita.
Depois, ouvi Bernardo Carvalho (O filho da mãe) e o afegão Atiq Rahimi (Pedra da Paciência) na mesa “O avesso do realismo”. A mediação foi feita por Beatriz Resende, professora de Literatura Comparada da UFRJ. Tudo ia muito bem até que surgiu a pergunta acerca da importância da literatura nacional para ambos e de uma quebra de fronteiras entre estas. Atiq disse ser complicado falar numa literatura nacional no Afeganistão, mas que acreditava em sentimentos humanos universais e numa literatura que, por essa razão, transcendesse fronteiras. Bernardo falou em suas viagens à Mongólia e à Rússia, mas deixou claro que as incursões por esses países não foram essenciais à escrita das obras. Disse, ainda, precisar do medo para criar e falar dos paradoxos, dos sentimento capazes de incomodar o ser humano, enfatizando de maneira pouco cortês que os “bons sentimentos” não fazem da literatura algo comum aos homens de diversos países, ou seja, discordou de forma veemente do escritor afegão.
Ainda sobre a questão colocada nessa mesa, pode-se dizer que a crise da literatura comparada existe, principalmente, em razão do nacionalismo exacerbado em diversos países, e nisso Bernardo tem razão. Dificilmente Mongólia e O filho da mãe serão lidos na Mongólia e na Rússia, respectivamente. Porém, não se pode negar que um dos pilares da literatura comparada seja a universalidade, o estabelecimento de relações entre as obras de arte (ou não) de diversas épocas e locais e isso foi o que Atiq pode ter tentado dizer.
Richard Dawkins falou sobre a Teoria da Evolução (Charles Darwin) em seus livros Deus é um delírio (tema da mesa) e O gene egoísta, dentre outros, com a mediação de Silio Boccanera. O apressado autor disse estar se sentindo amedrontado ao falar de ateísmo num país católico como o Brasil. As perguntas feitas pela plateia, pelo que soube, foram cortadas. Enfim, eu esperava mais da entrevista.
Não assisti Chico Buarque e Milton Hatoum. A mesa provocou comoção na cidade, pois os ingressos haviam se esgotado na primeira meia hora de venda e as pessoas se aglomeravam para tentar ver e ouvir o autor de Leite derramado. Li Chico e, no começo, gostei bastante. Depois, a história deixou de me encantar. Prefiro o belo homem de olhos azuis como cantor e compositor.
A mais grata surpresa da FLIP foi António Lobo Antunes. A mesa “Escrever é preciso” composta pelo jornalista Humberto Werneck e por esse escritor português, emocionou a todos: “Há alturas que você pensa: não vou ser capaz, para que escrever?. Só vale a pena quando nos é inconcebível, porque ler dá muito mais prazer. O leitor tinha que vir na capa do livro, não o escritor. Um livro bom é aquele que foi escrito só pra mim”. Lembrei-me, então, de R. M. Rilke em Cartas a um jovem poeta. Ao falar da sua família brasileira, disse que o nosso país, para ele, não é a terra em si, mas os cheiros, os doces das tias, o sotaque, a poesia de Manuel Bandeira, e, por isso, não precisa estar aqui, fisicamente, para estar no Brasil. Lobo Antunes lembrou do avô durante a entrevista, além dos escritores Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro, seus amigos. O autor de Explicação dos pássaros e Meu nome é Legião encantou a plateia (“O grande artista é aquele que muda a arte”).
Cristóvão Tezza e Mario Bellatin fizeram parte da mesa “O eu profundo e outros eus”. Tezza, ao escrever O filho eterno, sobre a história do seu filho com síndrome de Down, o fez em terceira pessoa, por absoluta impossibilidade de usar o “eu” diante dessa delicada questão. Mario Bellatin (Flores), usando uma prótese com um gancho na ponta no lugar do braço que lhe falta, foi questionado por ter organizado um seminário sobre a literatura mexicana em Paris e, em vez de enviar os autores do seu país para falar na França, apresentou pessoas que decoraram os textos desses escritores, com a finalidade de observar se tais idéias permaneceriam e fariam sentido sem a presença dos seus criadores. Por essa atitude foi bastante criticado à época. Quando perguntado sobre o porquê de não ter enviado apenas um respresentante das suas idéias à FLIP, respondeu (entre risos) que não queria perder a oportunidade de vir ao Brasil.
Simon Schama foi entrevistado por Lilia Moritz Scharcz, ambos historiadores, durante a mesa “O futuro da América”. O autor falou sobre a situação política dos Estados Unidos, o desgoverno de Bush e a eleição de Barack Obama; para ele, os americanos viram além da cor da pele do presidente eleito e sentiram como se Lincoln fizesse parte não só do discurso, mas do gabinete de Obama. Concluindo a entrevista, a brasileira preguntou ao escritor inglês sobre o que ele achava do fato de não existir sequer um negro na plateia, ao que ele respondeu: “é um defeito da FLIP. Vocês precisam resolver isso”.
A verdade é que a FLIP é bastante elitista. Embora Bia Hetzel tenha dito que os paratienses precisam se apropriar da festa, porque a FLIP também é para eles, podemos perceber o quanto isso é difícil e não se sabe até que ponto, verdadeiro. Paraty é uma cidade cara, inacessível nessa época do ano para quem não faz parte de uma classe mais favorecida ou não se sacrifica para poder participar. É tudo muito bonito, as manifestações culturais estão presentes em cada esquina, mas, definitivamente, ainda não é para todos.
segunda-feira, julho 06, 2009
sexta-feira, abril 24, 2009
OS LIVROS E EU: ELO PRIMITIVO.
Estava lendo o blog de uma amiga querida (Elo Primitivo, link ao lado), quando encontrei um post que eu mesma gostaria de ter escrito (Encontros.!.). Ela narra o que acontece no aeroporto, antes do início das suas viagens: encontros nas livrarias! Fiquei espantada, pois parecia a minha própria história.
Eu também levo ao menos um livro na bagagem de mão. Tinha ao meu fácil alcance Gabriela (Jorge Amado), além de O Ididiota (Dostoievski), na mala. Não satisfeita fui à La Selva em busca de novidades e trouxe comigo a Bravo, revistas em quadrinhos para as meninas e o Saga Lusa da Adriana Calcanhotto. Assim, deixei o Jorge de lado para ficar com a Adriana no avião e em Porto de Galinhas, onde terminei o livro.
Ao ler Saga Lusa, a minha vontade era poder ter dito à autora, enquanto ela passava por sua bad trip: Amiga (a essa altura já estávamos íntimas), quer um olcadil ou prefere um frontal? Não precisa ser “no rabinho”, os comprimidos já interrompem a onda... Mas, só soube do fato quando já havia terminado.
À semelhança do que aconteceu comigo há cerca de dez anos (pânico), a A. Cacanhotto não queria tomar ansiolíticos, nem um passiflorine sequer, então, acabou ficando cara a cara com a Coisa durante um bom tempo... Deve ter sido barra muito pesada... Acho que esse foi motivo que me fez deixar a Gabriela de lado: identidade com o sofrimento alheio. Senti medo durante a leitura, medo da Coisa voltar. Mas, enfrentei-a e consegui chegar ao final sem maiores consequências. Ufa!
Voltando ao blog da Sabine, vi no mesmo post a indicação do livro A tecelã de sonhos, e pensei: se ela gostou tanto é bem provável que eu vá gostar também, já que não houve uma dica do Elo Primitivo que não valesse a pena. Então, encomendei-o via internet, já que tem havido uma boa variação de preços entre a Travessa (meu vício) e seu próprio site, além do Submarino e Americanas. Uma pena, pois adoro tocar o livro, senti-lo e levá-lo comigo, já saboreando-o na barca até colocá-lo sobre a mesinha de cabeceira, na pilha de espera.
Mais que tudo – músicas, fotografias, vinhos e cervejas – a literatura faz-se presente em minha vida: histórias entremeando a minha; autores que se transformaram em amigos, sem que me tenham sido apresentados; lembranças de viagens somadas a livros; fases e os livros que me acompanharam, enfim, é a palavra escrita o tempo inteiro ao meu lado, emocionando, fazendo rir, chorar e amar. AMO OS LIVROS!!!
Eu também levo ao menos um livro na bagagem de mão. Tinha ao meu fácil alcance Gabriela (Jorge Amado), além de O Ididiota (Dostoievski), na mala. Não satisfeita fui à La Selva em busca de novidades e trouxe comigo a Bravo, revistas em quadrinhos para as meninas e o Saga Lusa da Adriana Calcanhotto. Assim, deixei o Jorge de lado para ficar com a Adriana no avião e em Porto de Galinhas, onde terminei o livro.
Ao ler Saga Lusa, a minha vontade era poder ter dito à autora, enquanto ela passava por sua bad trip: Amiga (a essa altura já estávamos íntimas), quer um olcadil ou prefere um frontal? Não precisa ser “no rabinho”, os comprimidos já interrompem a onda... Mas, só soube do fato quando já havia terminado.
À semelhança do que aconteceu comigo há cerca de dez anos (pânico), a A. Cacanhotto não queria tomar ansiolíticos, nem um passiflorine sequer, então, acabou ficando cara a cara com a Coisa durante um bom tempo... Deve ter sido barra muito pesada... Acho que esse foi motivo que me fez deixar a Gabriela de lado: identidade com o sofrimento alheio. Senti medo durante a leitura, medo da Coisa voltar. Mas, enfrentei-a e consegui chegar ao final sem maiores consequências. Ufa!
Voltando ao blog da Sabine, vi no mesmo post a indicação do livro A tecelã de sonhos, e pensei: se ela gostou tanto é bem provável que eu vá gostar também, já que não houve uma dica do Elo Primitivo que não valesse a pena. Então, encomendei-o via internet, já que tem havido uma boa variação de preços entre a Travessa (meu vício) e seu próprio site, além do Submarino e Americanas. Uma pena, pois adoro tocar o livro, senti-lo e levá-lo comigo, já saboreando-o na barca até colocá-lo sobre a mesinha de cabeceira, na pilha de espera.
Mais que tudo – músicas, fotografias, vinhos e cervejas – a literatura faz-se presente em minha vida: histórias entremeando a minha; autores que se transformaram em amigos, sem que me tenham sido apresentados; lembranças de viagens somadas a livros; fases e os livros que me acompanharam, enfim, é a palavra escrita o tempo inteiro ao meu lado, emocionando, fazendo rir, chorar e amar. AMO OS LIVROS!!!
terça-feira, abril 21, 2009
SAGA LUSA - O RELATO DE UMA VIAGEM (ADRIANA CALCANHOTTO)
“Saga lusa : todo mundo tem seu dia de panda Com bom humor, em linguagem fluente, Adriana Calcanhotto narra as agruras de viver um surto, acidentalmente induzido pela mistura de medicamentos
O livro de estréia da cantora e compositora Adriana Calcanhotto, Saga lusa é o relato de uma (dupla) viagem: uma bad trip medicamentosa – efeito de uma mistura de remédios para a gripe com a cortisona de uso contínuo – ocorrida durante uma turnê em Portugal. Além dos sintomas da gripe propriamente dita (tosse, febre, rouquidão), o inferno de Adriana incluiu alucinações, medos intensos, agitação, crises de riso e choro, perda da fluência da fala e uma insônia persistente, só entrecortada por horríveis pesadelos. O inevitável cancelamento de shows e entrevistas acrescentou ainda mais angústia ao quadro, compreensivelmente vivido pela artista como um desastre em termos pessoais e profissionais.
Tal episódio pareceria sob medida para gerar uma narrativa sombria, fortemente egocentrada e carregada de autocomiseração. Mas acontece justo o oposto: conforme o dito popular evocado pelo psiquiatra na contracapa, Saga lusa é um ótimo exemplo da difícil arte de transformar o azedume do limão em deliciosa limonada. Adriana se revela dona de uma prosa fluente e coloquial, hábil em acompanhar o fluxo de pensamento e que tem no uso do humor e da auto-ironia seus traços mais marcantes.
O surto foi carinhosamente apelidado de “a Coisa”, ótima designação para isso que, sem nome, invade e ocupa o eu. O estranhamento de si prossegue no encontro com a imagem insone no espelho: com enormes olheiras, Adriana percorre sua saga acompanhada pela exótica figura do “urso panda disfarçado de cantora gaúcha”. Os capítulos em que conta como padeceu com a língua enrolada são dignos de figurar em uma antologia de humor. Convenhamos que a capacidade de rir de si mesma em uma situação dramática não é para qualquer um... Talvez a longa trajetória de psicanálise pessoal – mais de uma década – tenha algo a ver com isso (e também, é claro, com a possibilidade de escrever o livro).
E olhem que o limão era realmente azedo! O fato de ser uma intoxicação forte, inesperada e resistente a intervenções medicamentosas, assim como a circunstância de ocorrer em um país estrangeiro (quando se está literalmente em trânsito e sem a referência da rotina) decerto são fatores agravantes da situação. É de se perguntar como teria sido “a Coisa” – duração, intensidade, colorido afetivo – caso tivesse ocorrido em casa, sem a pressão de compromissos profissionais e na ronronante companhia da gata Bong Lé. É de cogitar, até mesmo, se um surto “doméstico” teria originado um produto como este livro. Por outro lado, não se trata de qualquer país – é Portugal, nação camonóloga – cuja estranha familiaridade conosco, sobretudo no que se refere ao idioma, talvez tenha contribuído para essa imersão lúdica na linguagem. Afinal, não é todo dia que se almoça um “prego”, que se está cercado por atendentes “giros” ou que o farmacêutico propõe um “Diazepam no rabinho”.”
"Voltei do segundo show pálida, trêmula, mas mantendo a pose no meu deslumbrante robe azul. Subi no elevador com uns africanos que se entreolhavam, tentando localizar de que tribo são as senhoras que andam de robe de veludo e havaianas, com uma braçada de flores na mão e olheiras que as fazem parecer um urso panda disfarçado de cantora – vestida e com a maquiagem borrada pela ex-mulher do Gerald Thomas. Eu tremia de frio, mas sorri, claro, pros africanos. Tomei um banho quentíssimo, durante longos minutos porque, pra mim, esta é a melhor hora dos shows e porque precisava me aquecer e não conseguia. Um urso panda certamente não se enganaria, mas eu, até então, não tinha me dado conta de que estava ardendo em febre e que um banho pelando não ajudaria muito, sabe que o QI das cantoras..."
“Acordo de (mais) um pesadelo, em prantos, banhada de suor, sentindo um cheiro insuportável dentro do nariz, não de fora, nas narinas secas, arrepios pelo corpo. Vou pro espelho esperando ver um urso panda em trajes psicodélicos, e minhas pupilas são agora dois pires de tão dilatadas. Caralho, e agora?”.
"Lembrei que diz-se que para cada sentimento humano, para cada mais sutil sensação, para cada situação possível nesta vida, já há uma música correspondente no cancioneiro brasileiro. Pensei nisso porque me veio à cabeça uma canção mais antiga, e era incrível como se encaixava perfeitamente e traduzia (sem perdas) o meu estado naquele momento. No dia seguinte, no segundo show do Porto, como sou interprete de forte inclinação existencialista, incluí no alinhamento a bela melodia dizendo “eu queria tanto estar/ no escuro do meu quarto/ à meia-noite, à meia-luz, sonhando/ daria tudo por meu mundo e nada mais”. Cantei-a no bis e foi muito bonito, modéstia à parte, bastante emocionado. Precisava, literalmente, cantar para subir e “Meu mundo e nada mais”, do Guilherme Arantes, caiu feito uma luva."
DICA DE LEITURA: A CHAVE DE CASA (TATIANA SALEM LEVY)
"ESCREVO COM AS MÃOS ATADAS. NA CONCRETUDE IMÓVEL DO MEU QUARTO, DE ONDE NÃO SAIO HÁ LONGO TEMPO. ESCREVO SEM PODER ESCREVER E: POR ISSO ESCREVO. DE RESTO, NÃO SABERIA O QUE FAZER COM ESTE CORPO QUE, DESDE A SUA CHEGADA AO MUNDO,NÃO CONSEGUE SAIR DO LUGAR. (...) NASCI COM CHEIRO DE TERRA ÚMIDA, O BAFO DE TEMPOS ANTIGOS SOBRE O MEU DORSO.(...) NUNCA FALO SOZINHA, FALO NA COMPANHIA DESSE SOPRO QUE ME SEGUE DESDE O PRIMEIRO DIA."
"SERÁ QUE ENCONTRARIA A CASA DOS MEUS ANTEPASSADOS? QUE A CHAVE AINDA SERIA A MESMA? EU TENTAVA ACREDITAR NESSA HISTÓRIA QUE TINHA INVENTADO PARA MIM MESMA, NESSA HISTÓRIA QUE AINDA INVENTO E QUE É A ÚNICA CAPAZ DE ME DAR ALGUMA RESPOSTA. NESSA HISTÓRIA QUE PODE SER A MAIS DESCABIDA, MAS TAMBÉM A MAIS REAL. NÃO SEI ATÉ QUE PONTO SÃO VERDADEIRAS AS HISTÓRIAS DO MEU AVÔ, ATÉ QUE PONTO É VERDADEIRO O QUE VIVO AGORA. NEM MESMO SEI SE É VERDADEIRA A MINHA VIAGEM. PARECE QUE QUANTO MAIS ME APROXIMO DOS FATOS, MAIS ME AFASTO DA VERDADE."
Cheguei ao fim de mais um livro: “A chave de Casa”, de Tatiana Salem Levy. Indicaram-me a obra e lá fui eu correndo à livraria comprá-la. Não haveria tempo para que esta chegasse por encomenda ao Submarino, ou melhor, eu não sentia a menor vontade de esperar.
As palavras da Tatiana foram me capturando, a cada frase, a cada curto capítulo. Senti a dor da perda, o desejo e a frustração da personagem/autora. Trata-se, realmente, de um livro sensorial, como bem o definiu Cintia Moscovich, na orelha.
A jovem autora não fica somente na superfície da trama, mas adentra a narrativa e parece viver a própria obra. Escrever somente, para ela, seria muito pouco. Então, não me restou outra alternativa a não ser vivê-la também: passeei pelas ruas de Istambul, tomei um banho turco e conheci sua família em Esmirna. Não menciono aqui o que nos aconteceu em Portugal, pois quebraria o suspense para quem ainda não conhece a história, só digo que fiquei com muita vontade de ir à Lisboa de Camões e Pessoa, respirar ares ancestrais e provar os doces típicos daquela capital.
Há algum tempo não lia um livro tão envolvente. Adorei!
Assinar:
Postagens (Atom)